Entrevista
a Chris Hedge*, no Thruthdig | Tradução
Vila Vudu
Noam
Chomsky, a quem entrevistei 5ª-feira passada em sua sala no Massachusetts
Institute of Technology (MIT), influenciou intelectuais nos EUA e em todo o
mundo, por número incalculável de vias. A explicação que construiu para o
Império, a propaganda de massa, a hipocrisia e o servilismo dos liberais e os
fracassos dos acadêmicos, além do que ensinou sobre os modos pelos quais a
linguagem é usada como máscara pelo poder, para nos impedir de ver a realidade,
fazem dele o mais importante intelectual nos EUA. A força de seu pensamento,
combinada a uma independência feroz, aterroriza o estado-empresa – motivo pelo
qual a imprensa-empresa e grande parte da academia-empresa tratam-no como
pária. Chomsky é o Sócrates do nosso tempo.
Vivemos
um momento sombrio e desolado na história humana. E Chomsky começa por essa
realidade. Citou o falecido Ernst Mayr, importante biólogo evolucionista do
século 20, que disse que provavelmente nós jamais encontraremos extraterrestres
inteligentes, porque formas superiores de vida se autoextinguem em tempo
relativamente curto.
“Mayr
dizia que o valor adaptacional do que se chama ‘inteligência superior’ é muito
baixo” – disse Chomsky. – “Baratas e bactérias são muito mais adaptáveis que os
humanos. É melhor ser inteligente que estúpido, mas podemos ser um equívoco
biológico, usando os 100 mil anos que Mayr nos dá como expectativa de vida como
espécie, para destruir-nos nós mesmos e destruir também muitas outras formas de
vida no planeta.”
A mudança
climática “pode acabar conosco, e em futuro não muito distante” – diz Chomsky.
– “É a primeira vez na história humana em que temos a capacidade para destruir
as condições mínimas para sobrevivência decente. Já está acontecendo. Há
espécies que estão sendo destruídas. Estima-se que vivemos destruição
equivalente à de há 65 milhões de anos, quando um asteroide colidiu com a
Terra, extinguiu os dinossauros e grande número de outras espécies. A
destruição, hoje, é de nível equivalente àquele. De diferente, que o asteroide
somos nós. Se alguém nos está vendo do espaço, deve estar atônito. Há setores
da população global tentando impedir a catástrofe global. Outros setores tentam
apressá-la.
Veja bem
quem são uns e outros: os que tentam impedir a catástrofe total são os que nós
chamamos de primitivos, atrasados, populações indígenas – as Nações Originais
no Canadá, os aborígenes australianos, pessoas que ainda vivem em tribos na
Índia. E quem acelera a destruição? Os mais privilegiados, os chamados
‘avançados’, os letrados, as pessoas cultas e educadas do mundo.”
Se Mayr
acertou, estamos no fim de uma tendência, acelerada pela Revolução Industrial,
que nos jogará para o outro lado de uma montanha, ambientalmente e
economicamente. Esse evento, aos olhos de Chomsky, nos oferece uma oportunidade
e, ao mesmo tempo, traz um perigo. Já várias vezes Chomsky repetiu, como
alerta, que, se temos de nos adaptar e sobreviver, é preciso derrubar o poder
da elite-empresa-corporação, mediante movimentos de massa; e devolver o poder a
coletivos autônomos que são focados em manter as comunidades, em vez de
explorar comunidades. Apelar às instituições e mecanismos estabelecidos de
poder não vai dar certo.
“Podem-se
extrair muitas boas lições, do período inicial da Revolução Industrial” – disse
ele. – “A Revolução Industrial decolou aqui perto, no leste de Massachusetts,
em meados do século 19. Foi o período quando fazendeiros independentes estavam
sendo conduzidos para dentro do sistema industrial. Homens e mulheres – as
mulheres deixaram as fazendas para ser “operárias de fábrica” – lastimaram
amargamente a mudança. Foi também período de imprensa muito livre, a mais livre
que os EUA jamais conheceram, em toda sua história. Havia quantidade enorme de
jornais e lê-los hoje é experiência fascinante. O povo que foi arrastado para o
sistema industrial via aquilo tudo como um ataque à sua dignidade pessoal, aos
seus direitos de seres humanos. Eram seres humanos livres, forçados para dentro
do que chamavam ‘trabalho assalariado’, e que, aos olhos deles, não era muito
diferente da escravidão. De fato, essa era a impressão dominante entre o povo,
a tal ponto, que havia um slogan do Partido Republicano: ‘A única diferença
entre trabalhar por salário e ser escravo é que o salário acaba.’”
Chomsky
diz que essa deriva, que forçou os trabalhadores agrários para longe da terra e
para dentro das fábricas nos centros urbanos, foi acompanhada por uma destruição
cultural. Os trabalhadores, diz ele, haviam sido parte da “mais alta cultura da
época”.
“Lembro-me
disso, lá nos anos 1930s, com minha própria família” – diz ele. – “Aquilo nos
foi tirado. Estávamos sendo forçados a nos tornar, de certo modo, escravos. Diziam
que você trabalhava como artesão e vendia um produto que você produzia, então,
como assalariado, o que você passou a fazer foi vender você mesmo. E isso soava
como ofensa profunda. Eles condenavam o que chamavam de ‘novo espírito da
época’, ganhar dinheiro e esquecer-se completamente de si mesmo. É velho e, ao
mesmo tempo, soa hoje muito familiar aos nossos ouvidos.”
É essa
consciência radical, que deitou raízes em meados do século 19 entre fazendeiros
e muitos operários de fábrica, que Chomsky diz que temos de recuperar para
conseguirmos avançar como sociedade e como civilização. No final do século 19,
fazendeiros, sobretudo no meio-oeste, livraram-se dos banqueiros e dos mercados
de capitais, e constituíram seus próprios bancos e cooperativas. Entenderam o
perigo de virar vítimas de um processo vicioso de endividamento, comandado pela
classe capitalista. Os fazendeiros radicais fizeram alianças com os ‘Knights of
Labor’ [Cavaleiros do Trabalho],[1]que entendiam que os que trabalhavam nos
moinhos deviam ser também proprietários dos moinhos.
“À altura
dos anos 1890s, operários estavam tomando cidades e governando-as, no leste e
no oeste da Pennsylvania. É o caso de Homestead” – Chomsky lembrou. – “Mas
foram esmagados à força. Demorou um pouco. O golpe final foi o ‘Medo Vermelho’
de Woodrow Wilson [orig. Woodrow Wilson’s Red Scare][2].”
“A ideia,
hoje, ainda deve ser a dos Knights of Labor,” ele disse. “Os que
trabalham nos moinhos devem ser também donos dos moinhos. Há muito trabalho em
andamento. Haverá mais. Os preços da energia estão caindo nos EUA, por causa da
exploração maciça de combustíveis fósseis, que destruirá nossos netos. Mas, sob
a moralidade capitalista, o cálculo é: os lucros de amanhã são mais importantes
que a existência ou não dos seus netos. Estamos conseguindo preços mais baixos
de energia. Eles [os empresários] estão entusiasmadíssimos, porque podem
oferecer preços inferiores aos que a Europa oferece, porque nossa energia é
mais barata. E assim, os EUA conseguimos fazer fracassar os esforços que a
Europa tem procurado fazer, para desenvolver energia sustentável…”
Chomsky
espera que os que trabalham na indústria de serviços e na manufatura possam
começar a organizar-se para começar a tomar o controle de seus próprios locais
de trabalho. Observa que no ‘Cinturão da Ferrugem’ [orig. Rust Belt],[3] inclusive
em estados como Ohio, há crescimento no número de empresas que pertencem aos
trabalhadores.
O
crescimento de poderosos movimentos populares no início do século 20 mostrou
que a classe empresarial já não conseguia manter os trabalhadores subjugados
por ação exclusiva da violência. Os interesses empresariais tiveram de
construir sistemas de propaganda de massa, para controlar opiniões e atitudes.
O crescimento
da indústria de “relações públicas”, iniciada pelo presidente Wilson, que criou
o Comitê de Informação Pública [“Creel Committee”][4], para instilar
sentimentos pró-guerra na população, inaugurou uma era não só de guerra
permanente, mas também de propaganda permanente. O consumo foi instilado
também, com compulsão incontrolável. O culto do indivíduo e do individualismo
tornou-se regra. E opiniões e atitudes passaram a ser talhadas e modeladas
pelos centros de poder, como o são hoje.
“Uma
nação pacífica foi transformada em nação de odiadores, fanáticos por guerras” –
diz Chomsky. – “Essa experiência levou a elite no poder a descobrir que,
mediante propaganda efetiva, poderiam, como Walter Lippmann escreveu, usar “uma
nova arte na democracia, e fabricar o consenso.”
A
democracia foi destripada. Os cidadãos tornaram-se “público”, “audiência”,
telespectadores, não participantes no poder. Os poucos intelectuais, entre os
quais Randolph Bourne, que mantiveram a independência e recusaram-se a servir à
elite no poder foram expulsos para fora do sistema, como Chomsky.
“Muitos
dos intelectuais dos dois lados estavam apaixonadamente dedicados à causa
nacional” – disse Chomsky, falando a 1ª Guerra Mundial. “Houve só uns raros
dissidentes. Bertrand Russell foi preso. Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg foram
mortos. Randolph Bourne foi marginalizado. Eugene Debs, preso. Todos esses se
atreveram a questionar a magnificência da guerra.”
Aquela
histeria pró-guerra jamais cessou, movida sem alteração, do medo de um bárbaro
germânico, para o medo de comunistas e, daí, para o medos de jihadistas e
terroristas islamistas.
“As
pessoas vivem aterrorizadas demais, porque foram convencidas de que nós temos
de nos defender nós mesmos” – diz Chomsky. – “Não é inteiramente falso. O sistema
militar gera forças perigosas para nós, que nos ameaçam. Veja, por exemplo, a
campanha terrorista dos drones de Obama – a maior campanha
terrorista de toda a história. Esse programa gera novos terroristas e
terroristas potenciais muito mais depressa do que destrói suspeitos. É o que se
vê agora no Iraque. Volte lá, aos julgamentos de Nuremberg. A agressão entre
Estados foi definida como o supremo crime internacional. Foi considerado
diferente de outros crimes de guerra, porque a agressão entre estados reúne,
como crime, todos os demais danos que outros crimes subsequentes causarão.
A invasão
que EUA e Grã-Bretanha cometeram contra o Iraque é como um manual de crime de
agressão entre Estados. Pelos padrões de Nuremberg, os governantes dos EUA e da
Grã Bretanha teriam, todos, de ser condenados à morte e enforcados. E um dos
crimes que cometeram foi incendiar o conflito sunita versus xiitas.”
Esse
conflito, que agora novamente inflama a região, é “um crime cometido pelos EUA,
se acreditamos que sejam válidas as sentenças que Nuremberg proclamou contra os
nazistas. Robert Jackson, promotor-chefe no tribunal de Nuremberg, em sua fala
aos jurados, disse que aqueles acusados haviam bebido de um cálice envenenado.
E que se algum de nós algum dia bebêssemos daquele mesmo cálice teríamos de ser
tratados do mesmo modo, ou tudo não passaria de grande farsa.”
As
escolas e universidades da elite inculcam hoje em seus alunos a visão de mundo
endossada pela elite no poder. Treinam alunos para serem reverentes ante a autoridade.
Para Chomsky, a educação, na maior parte das grandes escolas, inclusive em
Harvard, a poucos quarteirões de distância do MIT, não passa de “um
sistema de profunda doutrinação”.
“Há um
entendimento de que há certas coisas que não se dizem nem se pensam” – diz
Chomsky. – “É assim, entre as classes educadas. E é por isso que eles todos
apoiam fortemente o poder do Estado e a violência do Estado, apenas com uma ou
outra pequena ‘restrição’. Obama é visto como crítico contra a invasão do
Iraque. Por quê? Só porque disse que seria erro estratégico. É argumento que o
põe no mesmo nível moral de um general nazista que entendesse que o segundo
front era erro estratégico. Isso, para os norte-americanos, é ‘ser
crítico’.”
E Chomsky
não subestima o ressurgimento de movimentos populares.
“Nos anos
1920s, o movimento trabalhista estava praticamente destruído” – disse. – “Havia
sido um movimento trabalhista forte, muito militante. Nos anos 1930s ele mudou,
e mudou por causa do ativismo popular. Houve circunstâncias [a Grande
Depressão] que levaram à oportunidade de fazer alguma coisa. Vivemos
constantemente com isso. Considere os últimos 30 anos. Para a maioria da
população, foram tempos de estagnação, ou pior que isso. Não é a Depressão
profunda, mas é uma depressão semipermanente para a maior parte da população.
Há muita lenha lá fora, esperando para ser queimada.”
Chomsky
entende que a propaganda empregada para fabricar consensos, mesmo na era das
mídias digitais, está perdendo efetividade, com a realidade cada vez menos
parecida com o “retrato’ dela inventado pelos órgãos da mídia empresarial de
massas. Embora a propaganda feita pelo Estado norte-americano ainda consiga
“empurrar a população para o terror e o medo e para a histeria de guerra, como
se viu nos EUA antes da invasão do Iraque”, ela já começa a fracassar na tarefa
de manter fé não questionada nos sistemas de poder. Chomsky credita ao
movimento Occupy, que ele descreve como uma tática, ter “disparado uma fagulha
iluminadora” a qual, mais importante, atravessou toda a sociedade, apesar da
atomização”.
“Há todos
os tipos de esforços e projetos para separar as pessoas umas das outras” – diz
ele. “A unidade social ideal [no mundo dos propagandistas do Estado-empresa] é
você e sua tela de televisão. As ações de Occupy puseram abaixo isso, para
grande parte da população. As pessoas reconheceram que poder nos juntar e fazer
coisas por nós mesmos. Podemos ter uma cozinha comum. Podemos ter um palanque
para discussões públicas. Podemos formar nossas próprias ideias. Podemos fazer
alguma coisa. E esse é ataque importante contra o núcleo dos meios pelos quais
o público é controlado.
Você não
é só um indivíduo tentando maximizar o consumo. Você descobre que há outros
interesses na vida, outras coisas com as quais se preocupar. Se essas atitudes
e associações puderem ser sustentadas e mover-se em novas direções, será muito
importante.
–
*Chris Hedges, repórter laureado com um Prêmio Pulitzer, mantém coluna regular em Truthdig às 2as-feiras. Hedges é autor de 12 livros, entre os quais o best-seller (New York Times) “Days of Destruction, Days of Revolt (2012)”, do qual é coautor, com o cartunista Joe Sacco. O livro mais recente de Hedges é “Empire of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of Spectacle” [Império da Ilusão: fim da alfabetização e triunfo do espetáculo].
*Chris Hedges, repórter laureado com um Prêmio Pulitzer, mantém coluna regular em Truthdig às 2as-feiras. Hedges é autor de 12 livros, entre os quais o best-seller (New York Times) “Days of Destruction, Days of Revolt (2012)”, do qual é coautor, com o cartunista Joe Sacco. O livro mais recente de Hedges é “Empire of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of Spectacle” [Império da Ilusão: fim da alfabetização e triunfo do espetáculo].
[1] Sobre
o que foram, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Knights_of_Labor [NTs].
[2] Para
saber o que foi, ver http://firstredscare.edublogs.org/ [NTs].
[3] Para
saber o que é, ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Cintur%C3%A3o_da_ferrugem
[4] Para
saber o que foi, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Committee_on_Public_Information
EXTRAÍDO DE
OUTRAS PALAVRAS
http://outraspalavras.net/destaques/a-esperanca-dissidente-de-noam-chomsky/