terça-feira, 26 de julho de 2016

Desigualdade: estudos sobre as famílias ricas mostram que os pobres são os mesmos de sempre. Por Donato



No ano de 1427, a então pequena província de Florença elaborou um censo entre seus habitantes com a finalidade de cobrar impostos. Ali ficou registrado, além do nome, o que faziam, quanto ganhavam e qual o patrimônio dos moradores da cidade que já tinha dado ao mundo Dante Alighieri e ainda nos presentearia com Leonardo Da Vinci.
Recentemente aquele levantamento foi digitalizado e disponibilizado na internet. Foi então que dois economistas da Banca D’Italia (o Banco Central italiano), realizaram um estudo com base nas informações disponíveis cruzando-as com as declarações de renda de famílias remanescentes na cidade até 2011. Guglielmo Barone e Sauro Mocetti ficaram espantados. Num arco de seis séculos, mais precisamente após 584 anos, as famílias mais ricas em 1427 eram as mesmas em 2011. E ainda: os sobrenomes dos contribuintes mais pobres também não haviam mudado.
A tecnologia da digitalização permitiu não apenas fazer um comparativo sobre uma linha temporal longa, como colocou em dúvida alguns mitos sobre o capitalismo. No geral esses estudos cobrem 2 ou 3 gerações contíguas e podem dar uma sensação de alternância ou de migração de riqueza para outras mãos. Por vezes, um filho playboy mais rebelde e inconsequente termina mal e isso indicaria, numa medição precipitada, que haveria uma anulação na transmissão de bens e nas vantagens sociais e econômicas. Errado. A hereditariedade e os mecanismos de proteção das elites, quando analisados numa linha de tempo maior, comprovam uma estabilidade assombrosa.
Nas estatísticas, desde então a renda per capita em Florença foi multiplicada por doze, a população aumentou dez vezes e a cidade cresceu. É a maior cidade e também capital da Toscana. Em números frios, tudo melhorou, certo? Porém os mais ricos continuam sendo os mais ricos e os mais pobres permanecem ralando dia e noite para chegar lá, sem sucesso. Onde está a mobilidade social?
Os italianos não foram os únicos a constatarem essa realidade. Pesquisadores ingleses também já tinham feito um outro levantamento no qual ficou demonstrado que famílias da Inglaterra são ricas e poderosas há 28 gerações. Uma prova de que o 1% está no alto do pódio há mais de 800 anos.
O trabalho dos pesquisadores da terra da rainha abrangeu o período entre os anos de 1170 e 2012 e, além de analisarem os dados priorizando os sobrenomes das famílias, utilizaram informações sobre grau de escolaridade e instituições de ensino frequentadas. Daí vemos aquela confirmação daquilo que todos intuímos.
Gregory Clark e Neil Cummins revelaram que as famosas Oxford e Cambridge despontam entre as classes mais ricas e evidenciam uma seletividade obscena mesmo com o acesso livre durante um período. Os pesquisadores acreditavam que o apoio do Estado com o fornecimento de bolsas para o ingresso nas universidades iria ser traduzido em uma maior variedade de sobrenomes entre aqueles que nelas se formavam. “Não há nenhuma evidência disso. Os nomes da elite persistiram tão tenazmente a partir de 1950 como antes do incentivo. O status social é fortemente herdado”, afirmaram. Ou seja, de nada resolve abrir as portas do ensino universitário sem ter oferecido uma boa base.
“Essa correlação é inalterada ao longo dos séculos. Ainda mais notável é a falta de um sinal de qualquer declínio na persistência de status social durante os períodos de mudanças institucionais como a Revolução Industrial do século XVIII, a disseminação da escolarização universal no final do século XIX, ou a ascensão do estado social-democrata no século XX. A mobilidade social na Inglaterra em 2012 foi pouco maior do que no tempo pré-industrial”, cravou Neil Cummins, da London School of Economics.
Thomas Piketty, em seu “O capital no século XXI”, sustenta que a concentração de renda vem aumentando os índices de desigualdade. Os estudos dos economistas italianos e ingleses não afirmam isso mas ratificam o livro do francês. Se o topo da sociedade é habitado pelos mesmos há séculos, se a correlação entre sobrenomes e status social não se altera nunca, é lógico supor que a propensão é por um maior distanciamento entre as camadas.
O que esses estudos dizem com todas as letras (e números) é que os ricos se mantém ricos ao longo de séculos sem muitas dificuldades. E que o capitalismo que sugere ser dinâmico, meritocrático, justo, etc e tal, não passa de propaganda enganosa. No longo prazo, pouca coisa muda. É culpa exclusiva do sistema então? Não, até porque concentração de renda é ruim para o próprio capitalismo. O dinheiro não circula, está sempre as mãos dos mesmos. Mas sem uma preocupação social de base, que realmente dê oportunidades iguais a todos, teremos que continuar a responder à pergunta “Qual a possibilidade de um jovem mudar seu destino em relação a suas origens?” com um desanimador “Praticamente nenhuma”.
O Brasil tem uma história recente (italianos e ingleses fizeram levantamentos desde um período em que Cabral nem haviam chegado por aqui), não temos portanto nenhum estudo que passe perto disso. Mas se puxarmos as listas da publicação Forbes, é possível constatar que não fugiremos da regra. O primeiro ranking da revista, feito em 1987, contava com apenas três brasileiros: Roberto Marinho, Sebastião Camargo e Antonio Ermírio de Moraes. Vinte e sete anos depois, em 2014, já eram 65 os bilionários brasileiros na lista e lá continuavam os Marinho, os Camargo e os Moraes. Com um detalhe que confirma as pesquisas de Mocetti, Barone, Clark e Cummins: dos 65 brasileiros, 25 eram parentes.
Este ano, a Forbes aponta uma redução do número de bilionários verdes-e-amarelos. São 31 mas… tcharam! Lá estão nosso amigos de sempre em companhia de nomes que sabemos irão se perpetuar e facilmente identificados em levantamentos recentes: Safra, Moreira Salles e por aí vai.
O filho de Michel Temer já possui um patrimônio de R$ 2 milhões em imóveis. Michelzinho tem 7 anos de idade. O que ele fez para isso? Nada, nasceu. Essa é a forma mais eficiente de ficar rico.

Sobre o Autor

Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.

Extraído do DCM
 
Link:  http://www.diariodocentrodomundo.com.br/desigualdade-estudos-sobre-as-familias-ricas-mostram-que-os-pobres-sao-os-mesmos-de-sempre-por-donato/

segunda-feira, 25 de julho de 2016

CTB REALIZA PESQUISA SOBRE NOVAS ELEIÇÕES



A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), em parceria com organizações do movimento social, realiza no próximo dia 7 de julho pesquisa de opinião para saber do povo brasileiro qual sua opinião sobre a realização de novas eleições para presidente.
A pesquisa será aplicada em cinco capitais: São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA) e Porto Alegre (RS). No Rio de Janeiro, a urna ficará aberta ao longo do dia 7 de Julho, na Praça XV (manhã) e no Buraco do Lume (tarde).
“Diante da conjuntura que testemunhamos a realização de um plebiscito para realização de novas eleições presidenciais se converte em uma saída. O golpe impetrado pelo time de Cunha e Temer trincou a democracia e revelou o confronto entre os três Poderes da República”, avaliou o presidente nacional da CTB, Adilson Araújo.
Ele indicou que “o caminho é ouvir o povo. Assim, devolveremos a legitimidade do processo, preservaremos nossa democracia e poderemos achar o caminho para uma agenda positiva para o país, hoje, refém de um governo golpista”.
Quem apoia a realização do plebiscito?
A cada dia, essa bandeira ganha apoio entre os movimentos sociais. Entidades que compõem a Frente Brasil Popular já sinalizam apoio à proposta. A Frente Povo Sem Medo também.
Pesquisas comprovam que a proposta de realização de um plebiscito tem amplo acolhimento pela sociedade. Pesquisa Vox Populi, divulgada no dia 14 de junho, além de mostrar o grau de reprovação da gestão interina de Michel Temer (74%), indicou que 67%, ou seja, mais de dois terços da população declaram aprovar a antecipação da eleição para presidente da República.
Consulta pública realizada através do portal do Senado Federal em maio deste ano revelou que 85% dos que responderam à enquete desejam a realização de novas eleições presidenciais em outubro deste ano. Foram cerca de 50 mil votos a favor da proposta. Apenas 8.861 se declararam contrários.
Já a pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, entre os dias 2 e 13 de junho, mostrou que 89% dos brasileiros consideram que o Brasil está no rumo errado.

Portal CTB – Joanne Mota

Link:
https://ctbrj.wordpress.com/2016/07/05/ctb-realiza-pesquisa-sobre-novas-eleicoes/

quinta-feira, 7 de julho de 2016

“Escola sem partido”, escola silenciada



Por Cleomar Manhas

Como surgiram projetos que ameaçam professores até com prisão. Por que sua proposta, contrária a ideologias é primária, silenciadora de opiniões divergentes e, no fundo… profundamente ideológica
O que seria a tão falada, e pouco explicada “escola sem partido”? Basicamente, trata-se de uma falsa dicotomia, pois não diz respeito à não partidarização das escolas, mas sim à retirada do pensamento crítico, da problematização e da possibilidade de se democratizar a escola, esse espaço de partilhas e aprendizados ainda tão fechado, que precisa de abertura e diálogo.
A pauta que precisamos debater é a da qualidade da educação, e não falácias ideológicas sobre a “não ideologização da escola”, algo que se vê até mesmo em alguns diálogos sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O Plano Nacional de Educação foi aprovado há dois anos. Durante sua tramitação, uma das polêmicas suscitadas foi acerca da promoção das equidades de gênero, raça/etnia, regional, orientação sexual, que acabou excluída do texto do projeto. Por consequência, isso influenciou a tramitação dos planos estaduais e municipais, que também sucumbiram ao lobby conservador e refutaram qualquer menção a gênero, por exemplo, difundindo a falsa tese da aberração intitulada “ideologia de gênero”. Isso causou uma confusão deliberada entre uma categoria teórica e uma pretensa ideologia.
Marivete Gesser, do Laboratório de Psicologia Escolar e Educacional da Universidade Federal de Santa Catarina, explica que “gênero pode ser caracterizado como uma construção discursiva sobre nascer com um corpo com genitália masculina ou feminina” e, por meio de normas sobre masculinidade e feminilidade, vamos nos construindo como sujeitos “generificados”. O preconceito vem dos discursos que naturalizam os lugares sociais de homens e mulheres como únicas representações, e segregam qualquer outra forma de manifestação. Além disso, em pesquisa realizada por estudantes do ensino médio em Brasília, feita no âmbito do projeto Educação de Qualidade (Inesc/Unicef), constatamos que uma das razões do abandono escolar é a discriminação relativa ao público LGBTI. Razões mais do que suficientes para discutirmos gênero nas escolas.
Qual a ligação entre esses dois temas, “escola sem partido” e “ideologia de gênero”, em momentos tão distintos? O que parece ter diferentes motivações e origens resulta dos mesmos elementos: os fundamentalismos conservadores que tentam passar às pessoas suas ideologias e crenças. Afinal de contas, não são apenas os pensamentos marxistas que são ideológicos, como tentam fazer crer os defensores da “escola sem partido”. Sendo assim, o que significa ideologia então?
Um dos conceitos mais difundidos é o de Karl Marx em parceria com Friedrich Engels, na obra a Ideologia Alemã, em que afirmam ser a ideologia uma consciência falsa da realidade, importante para que determinada classe social exerça poder sobre a outra, bem como a necessidade de a classe dominante fazer com que a realidade seja vista a partir de seu enfoque.
O conceito, no entanto, sofreu inúmeras interpretações, como a de Lênin para a ideologia socialista, como forma de definir o próprio marxismo. Portanto, há ideologia nas diferentes formas de ver e conceber o mundo. Não existe neutralidade. Quando defendem a “não ideologização”, em nome dessa pretensa neutralidade, também estão impregnados de ideologia.
Os teóricos do projeto “escola sem partido” advogam a neutralidade e se dizem não partidários. No entanto, suas intenções são claras: a retroação dos avanços que tivemos nos últimos tempos, especialmente com relação aos direitos humanos. Por exemplo, quando dizem lutar contra a doutrinação, uma das situações apresentadas no site do movimento da “escola sem partido” é um seminário realizado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados sobre direitos LGBTI e a política de educação. Eles citam esse caso como uma afronta ao artigo 12 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, afirmando que pais e seus filhos têm que ter uma educação moral de acordo com suas convicções. É uma deturpação do citado artigo, que diz respeito à liberdade religiosa que deve ser respeitada individualmente. Além disso, manipulam e fazem confusão deliberada com a discussão realizada no seminário, que reafirmou a importância de se debater questões de gênero e de sexualidade nas escolas, para que as diferenças não sejam transformadas em desigualdades.
Em outro momento, dizem que os alunos (a quem chamam de “vítimas”) acabam sofrendo de Síndrome de Estocolmo, ligando-se emocionalmente a seus algozes (“professores doutrinadores”). Nesse caso, os estudantes se recusariam a admitir que estão sendo manipulados por seus professores e sairiam furiosos em suas defesas. Para exemplificar, citam momentos identificados como “monstro totalitário arreganha os dentes” e chamam os estudantes de soldadinhos da guarda vermelha.
Em um dos livros desse movimento, é passada a noção de que o professor não é um educador, separando assim o ato de ensinar (passar conteúdos) e educar. O/A professor(a) deveria estar ali apenas para passar conteúdo sem crítica, problematização ou contextualização, em um ato mecânico. Paulo Freire é demonizado como o grande doutrinador – justo ele, que construiu uma obra toda para combater doutrinações.
Esse movimento da “escola sem partido” nasceu em 2004 e não gerou muitas preocupações, porque parecia muito absurdo e coisa pequena. No entanto, tem tomado corpo e crescido, na mesma toada de movimentos fascistas tais como ‘revoltados online’, responsável por apresentar recentemente a proposta da “escola sem partido” ao ministro da Educação do governo ilegítimo. Aliás, é bom dizer que foi a primeira audiência concedida pela pasta da Educação nesta gestão ilegítima. E em vídeo, os criadores da “escola sem partido” e do “revoltados online’ explicam que criaram tais coisas a partir de motivações pessoais. Ou seja, eles tentam impingir ao país projeto com base em impressões e vivências individuais.
A proposta foi apresentada em forma de projeto pela primeira vez no Estado do Rio de Janeiro, pelo deputado Flávio Bolsonaro. A segunda vez foi no Município do Rio de Janeiro, pelo vereador Carlos Bolsonaro – ambos filhos do deputado federal Jair Bolsonaro. E tal proposta já se espalhou por diversas câmaras municipais e assembleias legislativas. Em âmbito nacional, o deputado Izalci (PSDB/DF) apresentou o PL 867/2015 à Câmara Federal, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Dentre várias questões, o artigo 3º do referido projeto diz o seguinte: “Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.” O que viola tais convicções provavelmente será julgado de acordo com o que e com quem quiserem criminalizar. O projeto ainda levanta uma polêmica do século XIX quando se discutia a dicotomia família e escola, o que deveria estar superado no século XXI.
Há vários projetos tramitando apensados a esse, ainda mais perversos. Um deles, do deputado Victório Galli, do PSC/MT, proíbe a distribuição de livros didáticos que falem de diversidade sexual. E há ainda o projeto de lei 1411/2015, do deputado Rogério Marinho PSDB/RN, cujo relator é o mesmo deputado Izalci. Esse projeto tipifica o crime de assédio ideológico, que, de acordo com o projeto, significa: “toda prática que condicione o aluno a adotar determinado posicionamento político, partidário, ideológico ou qualquer tipo de constrangimento causado por outrem ao aluno por adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente.” E diz ainda que o professor, orientador, coordenador que o praticar dentro do estabelecimento de ensino terá a pena acrescida de um terço. Ou seja, as opiniões fora da escola, tais como nas redes sociais, poderão penalizar o profissional da educação também.
O movimento criou recentemente uma “associação escola sem partido” para ter uma entidade com a qual pudesse recorrer à Justiça em casos que julgasse relevantes. E a primeira ação por eles promovida foi contra o INEP, devido ao tema da redação do Enem de 2015, que tratava de violência contra as mulheres, tema que julgaram doutrinador e partidário. A violência contra as mulheres é reconhecida como grave problema em diversos tratados internacionais de direitos humanos, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), aprovada pela ONU em 1979, e outros que a seguiram. No Brasil, a cada 4 minutos uma mulher dá entrada no SUS por ter sofrido violência física, e 13 mulheres são assassinadas a cada dia – uma a cada 1 hora e 50 minutos. A violência está inclusive nas próprias escolas, como demonstrou a iniciativa “Meu professor abusador”.
Há vários ovos de serpente chocando no momento, em diversos locais, seja no âmbito dos legislativos municipais, estaduais ou nacional, e mesmo nos Executivos, e não temos garantias de que o Judiciário irá barrar tais aberrações. Portanto, nossa única arma é a manifestação, a nossa presença nas ruas e a disseminação de informações a um público maior possível, já que é na internet e em redes como whatsapp que esses grupos têm angariado seguidores, muitos deles muito jovens. É preciso promover debates que esclareçam essas situações que estão amadurecendo na surdina, com pessoas que não nos representam, mas estão em cadeiras que permitem tais movimentos.

Extraído de Outras Palavras

Link: http://outraspalavras.net/brasil/escola-sem-partido-escola-silenciada/