CAPA DO LIVRO DE M. POCHMANN |
Livro mais recente de Márcio
Pochmann sugere: conceito infeliz revela ou precipitação teórica, ou
incapacidade de enxergar que precisamos de novas políticas públicas
Por Marco Weissheimer, no Sul21
Muito se falou, após os protestos
de junho de 2013, da emergência de novos setores sociais no país, com uma nova
agenda de demandas e de lutas. Esses setores seriam resultado, em larga medida,
do sucesso das políticas econômicas e sociais implementadas na última década. E
desempenhariam um papel essencial no processo eleitoral deste ano, oferecendo
um enigma a ser desvendado pelos projetos políticos em disputa. A Boitempo
Editorial está lançando um livro que pode ajudar a reflexão sobre esse debate.
O economista Marcio Pochmann,
professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), é o autor desse livro dedicado a analisar a suposta emergência de
uma nova classe média no Brasil, a partir, principalmente, do sucesso das
políticas de distribuição de renda implementadas no Brasil desde o governo
Lula. Crítico da ideia da emergência de uma nova classe média, o hoje
presidente da Fundação Perseu Abramo analisa em O mito da grande classe média:
capitalismo e estrutura social (Boitempo Editorial) como, nos últimos anos, vem
se difundindo mundo afora a ideia de uma “medianização” das sociedades, com o
surgimento de novos setores médios da população.
Pochmann faz uma historiografia
do conceito de classe média e reflete sobre a evolução e as mudanças pelas
quais passou a classe assalariada brasileira. Essas mudanças, defende, apontam
para o crescimento e o fortalecimento, não da classe média, mas sim da classe
trabalhadora brasileira. O mito da grande classe média, uma noção heterogênea e
não unívoca, sustenta o autor, está impregnado de ideologia e voluntarismo
teórico. Para Pochmann, a ausência de uma análise das classes sociais em sua
determinação concreta ou segundo as condições reais de sua base material
redunda em “um voluntarismo teórico inconsistente com a realidade, salvo
interesses específicos ou projetos políticos de redução do papel do Estado”.
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A síntese de mais de dez anos de
implantação dessas políticas passaria não pela emergência de uma nova classe
média, mas sim pela ascensão e o fortalecimento de setores ligados à classe
trabalhadora. Não se trata, para Pochmann, de uma mera diferença de
nomenclatura, mas sim de uma visão ideológica a respeito da natureza dessas
politicas e de seus resultados em termos de mobilidade social.
Em seu livro anterior Nova classe
média?, Pochmann analisou as recentes transformações na sociedade brasileira e
refutou a ideia de surgimento de uma nova classe no País, muito menos a de uma
nova classe média. O resgate da condição de pobreza e o aumento do padrão de
consumo, defendeu o autor, não tiram a maioria da população emergente da classe
trabalhadora. Para Pochmann, é preciso realizar “a politização classista do
fenômeno para aprofundar a transformação da estrutura social, sem a qual a
massa popular em emergência ganha um caráter predominantemente mercadológico,
individualista e conformista sobre a natureza e a dinâmica das mudanças
socioeconômicas no Brasil”.
A melhora dos indicadores na
distribuição da renda do trabalho e de seu aumento na participação da riqueza
gerada concentra-se, fundamentalmente, na base da pirâmide social, o que revela
também os seus limites, observa ainda Pochmann. O economista aponta que no
Brasil as ocupações formais cresceram fortemente durante a primeira década de
2000, especialmente nos setores que têm uma remuneração muito próxima ao
salário mínimo: 94% das vagas criadas entre 2004 e 2010 foram de até 1,5
salário mínimo. A partir desses dados, ele conclui que, juntamente com as
políticas de apoio às rendas na base da pirâmide social brasileira, como
elevação do valor real do salário mínimo e massificação da transferência de
renda, houve o fortalecimento das classes populares assentadas no trabalho.
“O adicional de ocupados na base
da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora,
equivocadamente identificada como uma nova classe média. Talvez não seja bem um
mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da
concepção e condução das políticas públicas atuais”, escreve Pochmann na
apresentação do livro. A perspectiva fundamentalmente mercantil, baseada na
ideia de uma nova classe média, aponta, segundo o autor, para o fortalecimento
dos planos privados de saúde, educação, assistência e previdência, entre
outros. Contra isso, defende, recoloca-se a necessidade de construir serviços
públicos de qualidades e de uma efetiva estruturação do mercado de trabalho,
com empregos de qualidade e protegidos no Brasil, medidas fundamentais para
enfrentar a precariedade no setor.
Pochmann resume assim a sua
posição acerca desse fenômeno e dos desafios políticos que ele coloca:
“Mesmo com o contido nível
educacional e a limitada experiência profissional, as novas ocupações de
serviços, absorvedoras de enormes massas humanas resgatadas da condição de
pobreza, permitem inegável ascensão social, embora ainda distante de qualquer
configuração que não a da classe trabalhadora. Seja pelo nível de rendimento,
seja pelo tipo de ocupação, seja pelo perfil e atributos pessoais, o grosso da
população emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que possam
ser claramente identificados como classe média. Associam-se, sim, às
características gerais das classes populares, que, por elevar o rendimento,
ampliam imediatamente o padrão de consumo”.
“Não há, nesse sentido, qualquer
novidade, pois se trata de um fenômeno comum, uma vez que trabalhador não
poupa, e sim gasta tudo o que ganha. Em grande medida, o segmento das classes
populares em emergência apresenta-se despolitizado, individualista e
aparentemente racional à medida que busca estabelecer a sociabilidade
capitalista. (…) Percebe-se sinteticamente que a despolitizadora emergência de
segmentos novos na base da pirâmide social resulta do despreparo de
instituições democráticas atualmente existentes para envolver e canalizar ações
de interesses para a classe trabalhadora ampliada. Isto é, o escasso papel
estratégico e renovado do sindicalismo, das associações estudantis e de
bairros, das comunidades e base, dos partidos políticos, entre outros”.
Reside aí um dos desafios que o
processo eleitoral de 2014 oferece: como enfrentar essa despolitização em um
cenário marcado crescentemente por um discurso que é criminalizador da
política?
Extraído de "OUTRAS PALAVRAS"
20 de maio de 2014
LINK:
http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17450