Por José Geraldo de Santana Oliveira* (Contee)
Com a finalidade de ativar o debate sobre a pauta de reivindicação aprovada pela Conclat 2022, e dando-se sequência aos textos anteriores, traz-se, aqui, breve síntese de alguns dos 63 itens nela contidos, acompanhados de breves anotações sobre eles, que procuram retratar sua relevância social, normas descumpridas e a jurisprudência do STF e do TST quanto a vários deles.
Ei-los:
PAUTA DA CLASSE TRABALHADORA 2022 — PRIORIDADES
- Instituir uma política de valorização do salário mínimo que assegure a recomposição da inflação e um considerável aumento real para que, no médio prazo, o piso nacional seja capaz de atender às necessidades vitais básicas dos trabalhadores e trabalhadoras e de suas famílias, conforme definido na Constituição Federal.
Comentário:
Ao longo das quatro últimas décadas, duas políticas públicas ganharam relevância social e foro de mais amplos e eficazes instrumentos de inclusão social, fazendo diminuir o fosso da desigualdade e a indignidade, enquanto vigoraram, sem amarras e barreiras: a previdência social, universalizada pela CF de 1988, e a valorização do salário mínimo.
No período de 2003 a 2016, em que vigeu, a política de valorização do salário mínimo acresceu-lhe 78,7% de ganho real, consoante Nota Técnica N. 265, do Dieese. Se não fosse seus efeitos positivos, o salário mínimo nominal seria, hoje, de R$ 678 e não de R$ 1.212.
O salário mínimo é referencial remuneratório para mais de 50 milhões de pessoas, das quais 30,2 milhões integram a população ocupada.
De acordo com dados da Secretaria de Previdência Social, em outubro de 2021, eram pagos 31.408.396 benefícios previdenciários, sendo que 18.596.877 correspondiam a um salário mínimo. Desses, 9.141.496 eram urbanos e 9.455.381 rurais, aos quais se somavam 4.798.961 benefícios de assistência social, todos com valor de um salário mínimo.
Por isso, essa reivindicação de retomada de valorização do salário mínimo, indiscutivelmente, reveste-se da condição de prioridade do Brasil. Com ela, não só se devolve dignidade aos mais de 50 milhões e seus familiares com remuneração referenciada no salário mínimo, bem como se reduz o fosso da humilhante desigualdade de renda que põe o Brasil na condição de nono país mais desigual do mundo, dos 192 filiados à ONU.
- Estabelecer o programa de renda básica como direito social articulado e integrado às políticas sociais, adequando-o aos diferentes formatos de famílias, como as famílias monoparentais chefiadas por mulheres.
Comentário:
O Art. 3º da CF, estabelece:
“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
[…]
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Esse objetivo somente ganhou dimensão, que lhe permitiu dar passos significativos e seguros, com a previdência social — mutilada pela emenda constitucional (EC) 103/2019 —, que se constitui na maior fonte de riqueza de 4.108 dos 5.570 municípios brasileiros, e com a política de valorização do salário mínimo — comentada no item anterior —, esvaziada por Temer e fuzilada por Bolsonaro.
Para se aquilatar a relevância social da reivindicação sob comentário, basta que se tome como referência o benefício emergencial, que alcançou a gigantesca marca de beneficiar 67,9 milhões, conforme dados da Pnad contínua.
A ausência de medidas efetivas que ataquem a pobreza e as desigualdades regionais, não decorrem de anomia (falta de normas), posto que estas existem e se materializam na Lei N. 10.835/2004, que “Institui a renda básica de cidadania e dá outras providências” e dispõe:
“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º É instituída, a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que se constituirá no direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário.
- 1º A abrangência mencionada no caputdeste artigo deverá ser alcançada em etapas, a critério do Poder Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas da população.
- 2º O pagamento do benefício deverá ser de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias.
- 3º O pagamento deste benefício poderá ser feito em parcelas iguais e mensais.
- 4º O benefício monetário previsto no caputdeste artigo será considerado como renda não-tributável para fins de incidência do Imposto sobre a Renda de Pessoas Físicas.
Art. 2º Caberá ao Poder Executivo definir o valor do benefício, em estrita observância ao disposto nos arts. 16 e 17 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal.
Art. 3º O Poder Executivo consignará, no Orçamento-Geral da União para o exercício financeiro de 2005, dotação orçamentária suficiente para implementar a primeira etapa do projeto, observado o disposto no art. 2º desta Lei.
Art. 4º A partir do exercício financeiro de 2005, os projetos de lei relativos aos planos plurianuais e às diretrizes orçamentárias deverão especificar os cancelamentos e as transferências de despesas, bem como outras medidas julgadas necessárias à execução do Programa.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 8 de janeiro de 2004; 183º da Independência e 116º da República”.
Como essa lei foi arremessada ao museu a partir do golpe do impeachment, o STF foi chamado a determinar sua vigência e eficácia pelo mandado de injunção (MI) 7.300, julgado em 2021. Não obstante a nítida marca de prevalência da nada democrática visão econômica do direito, que, há anos, tem pautado a maioria dos ministros daquela corte, a decisão proferida nesse MI não deixa de ser simbolicamente relevante.
Ei-la:
“Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu parcialmente a ordem injuncional, para: i) determinar ao Presidente da República que, nos termos do art. 8º, I, da Lei nº 13.300/2016, implemente, “no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento do mérito (2022)”, a fixação do valor disposto no art. 2º da Lei nº 10.835/2004 para o estrato da população brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica (extrema pobreza e pobreza – renda per capita inferior a R$ 89,00 e R$ 178,00, respectivamente – Decreto nº 5.209/2004), devendo adotar todas as medidas legais cabíveis, inclusive alterando o PPA, além de previsão na LDO e na LOA de 2022; e ii) realizar apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem as medidas administrativas e/ou legislativas necessárias à atualização dos valores dos benefícios básico e variáveis do programa Bolsa Família (Lei nº 10.836/2004), isolada ou conjuntamente, e, ainda, para que aprimorem os programas sociais de transferência de renda atualmente em vigor, mormente a Lei nº 10.835/2004, unificando-os, se possível.
[…]
Plenário, Sessão Virtual de 16.4.2021 a 26.4.2021.”
3. Criar políticas ativas de geração de trabalho e renda para enfrentar o desemprego, o subemprego, a rotatividade e a informalidade crescentes, com garantia de salário mínimo, previdência social e demais direitos trabalhistas.
4. Implementar um marco regulatório de ampla proteção social, trabalhista e previdenciária a todas as formas de ocupação e emprego e de relação de trabalho, com especial atenção aos autônomos, conta-própria, trabalhadoras domésticas, teletrabalho e trabalhadores mediados por aplicativos e plataformas, revogando os marcos regressivos da legislação trabalhista, previdenciária, e restabelecendo o acesso gratuito à justiça do trabalho.
6. Garantir a proteção aos desempregados com seguro desemprego, formação profissional de qualidade, acesso à intermediação pública de mão de obra e inscrição nos programas de transferência de renda, vale gás, vale-transporte social, isenção nas taxas de serviços públicos, entre outras medidas que assegurem dignidade aos trabalhadores, trabalhadoras e suas famílias até a recolocação no mercado de trabalho.
7. Promover a erradicação da fome, combater a carestia e garantir a segurança alimentar.
8. Revisar a política de preços de produtos essenciais, como alimentos, combustíveis, gás de cozinha, energia elétrica e medicamentos, entre outros, além de assegurar a isenção de tarifas públicas de energia, água e gás de cozinha para beneficiários dos programas de transferência de renda. Adotar medidas urgentes que garantam a redução e estabilização dos preços da cesta básica, combustíveis e gás de cozinha.
Comentários aos itens 3, 4, 6, 7 e 8:
A POF (pesquisa de orçamento familiar), divulgada no dia 26 de novembro de 2021, revela significativa e crescente perda de qualidade de vida, em todas as faixas salariais, no campo e na cidade, envolvendo seis dimensões (moradia; acesso aos serviços de utilidade pública; saúde e alimentação; educação; acesso aos serviços financeiro e padrão de vida; transporte e lazer), sendo que a perda no campo representa o dobro daquela verificada na cidade.
A faixa com menor perda individual de qualidade de vida concentrava 13,7% da população e a faixa com mais perdas, 10,3%. A maior parte dos brasileiros se encontra na zona intermediária de perdas acumuladas de qualidade de vida.
O índice de perda de qualidade vida (IPQV) dos 10% com menor renda é mais de quatro vezes superior ao 10% com maior renda.
Os dados do inquérito nacional sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), divulgado em agosto de 2021, relevam números catastróficos sobre esse crucial tema: ao menos 19 milhões de brasileiros e brasileiras, equivalentes a 9% da população, passam fome, no sentido mais amplo do termo; e 116,8 milhões sofrem de alguma insegurança, com maior ou menor grau de intensidade.
O relatório da FAO, órgão da ONU voltado para a agricultura, divulgado em julho de 2021, revela que 23,5% (49,6 milhões de pessoas) da população brasileira estão em situação de insegurança alimentar moderada ou severa, entre 2018 e 2020 — 12,1 milhões a mais do que entre 2014-2016.
Não se podendo esquecer que, em 2014, o Brasil fora retirado do mapa da fome pela FAO.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, no voto vencedor proferido no mandado de injunção (MI) 7300, julgado em setembro de 2021, ressaltou:
“[…] Ou seja, apesar da existência dessa política pública, quase 5 milhões de brasileiros retornaram para a extrema pobreza, sendo justificado, entre outras circunstâncias, pela inexistência de reajustes anuais para reposição da inflação. Sendo assim, está claro que essa política pública necessita de atualização ou repaginação, eis que, apesar da enorme contribuição para retirada de milhões de pessoas da extrema pobreza até 2014, desde então, a situação tem se deteriorado, a recomendar uma correção de rumos.
No mesmo sentido e em idêntico período, o salário mínimo passou de R$ 260,00 (Lei 10.888/2004) para R$ 1.100,00 (MP 1.021/2020, com vigência a contar de 1.2021), correspondendo ao aumento de 423%. Proporcionalmente, em 2004, quando o salário mínimo equivalia a R$ 260,00, a linha de pobreza havia sido fixada em R$ 100,00, o que equivalia a R$ 38,46% daquele; ao passo que, em 2021, o salário mínimo alcança R$ 1.100,00, enquanto a linha de pobreza resta fixada em R$ 178,00, o que corresponde proporcionalmente a 16,18% daquele. Em outras palavras, o núcleo familiar que, em 2004, auferia renda mensal per capita de 1/3 (um terço – 33,33%) do salário mínimo nacional estava enquadrado na linha de pobreza; atualmente, para se encaixar nessa mesma condição, no intuito de fazer jus ao auxílio estatal, necessita auferir menos de 17% (dezessete por cento) do salário mínimo nacional em curso, por pessoa. De tal constatação, é possível concluir que, indiretamente, houve diminuição real (por via oblíqua) do valor limite para fins de enquadramento, passando a linha de corte a prejudicar quem outrora satisfazia os requisitos legais para a concessão do benefício comparativamente ao salário mínimo. Assim, milhões de pessoas foram excluídas do programa, apesar de ainda serem consideradas abaixo da linha da pobreza, segundo critérios socioeconômicos mundiais.
Ainda voltado para o olhar social, já tive oportunidade de registrar, em vários seminários, encontros virtuais ou entrevistas, que precisamos urgentemente de uma lei de responsabilidade social que, à semelhança da Lei de Responsabilidade Fiscal, estabeleça normas de organização administrativo-federativa voltada para a responsabilidade na elaboração, implementação, consolidação e expansão de políticas públicas sociais.
De início, reconheço que assiste razão ao eminente Ministro Relator ao concluir pelo estado de mora inconstitucional da Presidência da República e, também, ao sinalizar os efeitos deletérios que tal inércia ocasiona ao sistema de proteção social instituído pela Constituição Federal de 1988, quanto aos mais desassistidos do ponto de vista social e econômico.
De acordo com balanço divulgado pelo IBGE, o país alcançou, no ano de 2020, a indelével marca de aproximadamente 9 milhões de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza (renda per capita inferior a R$ 89,00, segundo critério de elegibilidade do Programa Bolsa Família). Paralelamente, estudos recentes do IBGE apontam para contingente populacional de 16 milhões de cidadãos brasileiros em condição de pobreza (renda per capita inferior a R$ 178,00). Programas sociais de transferência de renda servem, fundamentalmente, para reduzir o fosso de desigualdade que subtrai a dignidade de milhões de famílias brasileiras, inibindo a capacidade de engajamento político e o desfrute dos mais relevantes direitos e liberdades constitucionais”.
No tocante ao acesso à justiça gratuita, não se pode esquecer que o STF, por maioria, ao julgar a ADI 5.766, declarou inconstitucionais os dispositivos acrescidos à CLT, que a impedia:
“Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vencidos, em parte, os Ministros Roberto Barroso (Relator), Luiz Fux (Presidente), Nunes Marques e Gilmar Mendes. Por maioria, julgou improcedente a ação no tocante ao art. 844, § 2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Redigirá o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes. Plenário, 20.10.2021” (Sessão realizada por videoconferência – Resolução 672/2020/STF).
- Fortalecer a agricultura familiar e defender o desenvolvimento de uma agricultura com controle nacional das matérias–primas e garantia de armazenamento e comercialização.
Comentário:
Nada menos que 3,9 milhões de propriedade rurais são classificadas como de agricultura familiar, o que corresponde a 77% de todos os estabelecimentos rurais do país e a 23% da área por eles ocupada (IBGE/2017).
Não sem razão, a ONU declarou o decênio de 2019 a 2028 como a década mundial da agricultura familiar.
Portanto, agricultura familiar é sinônimo de garantia de alimento na mesa de todos os cerca de 72 milhões de lares brasileiros. Como alimento é vida, agricultura familiar é, em uma palavra, sinônimo de vida, de vida digna.
Faz-se necessário registrar que, além da agricultura familiar, somente o SUS, a educação e a previdência social cobrem todos os municípios brasileiros; nenhuma outra política pública alcança tamanha dimensão.
Assim, a relevância e a importância da agricultura familiar ultrapassam todas as barreiras partidárias e ideológicas, assumindo contornos de primeira grandeza, de vital interesse para todos, independentemente de coloração partidária, concepção de mundo, crença, religião e filosofia. É, sem nenhuma margem de dúvida, ponto de equilíbrio e de união do Brasil, do Monte Caburaí ao Arroio do Chuí e da Serra da Contamana ao Ponta do Seixas.
A desproteção e o preterimento da agricultura familiar, seja a que título e/ou pretexto for, para além de fazê-la definhar-se, representa vertiginosa queda e escassez de produção de alimentos, carestia, insegurança alimentar e, mais apropriado dizer, fome para mais de uma centena de milhões de brasileiros e brasileiras.
- Promover reestruturação sindical que democratize o sistema de relações de trabalho no setor público e no setor privado, urbano e rural, fundada na autonomia sindical, visando incentivar as negociações coletivas, promover solução ágil dos conflitos, garantir os direitos trabalhistas, assegurar o direito à greve e coibir as práticas antissindicais, para fortalecer as entidades sindicais, ampliar a representatividade e a organização em todos os níveis, estimulando a cooperação sindical entre os trabalhadores e o respeito às assembleias, inclusive com o financiamento solidário e democrático da estrutura sindical.
Comentário:
Tomando-se por base as dissensões que marcam as diversas concepções sindicais, a portentosa cruzada contra as organizações sindicais — que, a rigor, teve início com a orientação jurisprudencial (OJ) 17, da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do TST, que remonta ao ano de 1998, passando pelo precedente normativo (PN0) 119 que dela também se emana e pela virulenta jurisprudência o STF, reiterada em dezenas de decisões monocráticas, de turmas e do pleno — e a declaração de guerra patente na Lei N. 13.467/2017, esse item da pauta, por certo, será o mais tormentoso e de mais difícil pacificação e efetivação.
Para elucidar essas assertivas, trazem-se, aqui, algumas decisões do STF e da jurisprudência do TST:
– OJ 17
“CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS. (mantida) – DEJT divulgado em 25.08.2014
As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados.
Histórico:
Inserida em 25.05.1998”
– PN 119
“CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS. INOBSERVÂNCIA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS.
A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados.”
– Decisão da SDC, proferida no recurso ordinário em dissídio coletivo (RO-DC) 183-52.2014.5.110000, destinando multa fixada em dissídio de greve ao sindicato patronal que lhe deu causa:
“RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS DO ESTADO DO AMAZONAS – SINETRAM. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. DESTINAÇÃO DA MULTA APLICADA POR DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO LIMINAR EM CONTEXTO DE GREVE. Segundo a jurisprudência majoritária desta Seção de Dissídios Coletivos, a multa por descumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer – fixada em decisão liminar em contexto de greve – é devida ao exequente, em razão do critério objetivo fixado no art. 537, § 2º, CPC. Ressalva de entendimento do Relator. Recurso ordinário conhecido e provido”.
– Decisão monocrática do ministro Roberto Barroso, proferida na reclamação 47.102, contra cláusula de instrumento normativo coletivo que fixou cobrança de taxa assistencial (negocial ou reforço) de trabalhadores/as não sindicalizados/as, e acolhida pela SDC do TRT da 2ª Região-SP:
“MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 47.102 EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E DO TRABALHO. MEDIDA CAUTELAR EM RECLAMAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. AUTORIZAÇÃO DO EMPREGADO. 1. Aparentemente, viola a autoridade da decisão do STF na ADI 5.794, red. p/o acórdão o Min. Luiz Fux, decisão que afirma que a autorização prévia e expressa de empregado para cobrança de contribuição sindical pode ser substituída por aprovação de assembleia geral de sindicato. 2. Medida cautelar deferida.”
– Ementa do Acórdão da ADI 5.794, na qual a Contee atuou como amicus curiae, que julgou constitucional a conversão da contribuição sindical em facultativa:
“EMENTA: […] 4. A Lei nº 13.467/2017 emprega critério homogêneo e igualitário ao exigir prévia e expressa anuência de todo e qualquer trabalhador para o desconto da contribuição sindical, ao mesmo tempo em que suprime a natureza tributária da contribuição, seja em relação aos sindicalizados, seja quanto aos demais, motivos pelos quais não há qualquer violação ao princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da Constituição), até porque não há que se invocar uma limitação ao poder de tributar para prejudicar o contribuinte, expandindo o alcance do tributo, como suporte à pretensão de que os empregados não-sindicalizados sejam obrigados a pagar a contribuição sindical. 5. A Carta Magna não contém qualquer comando impondo a compulsoriedade da contribuição sindical, na medida em que o art. 8º, IV, da Constituição remete à lei a tarefa de dispor sobre a referida contribuição e o art. 149 da Lei Maior, por sua vez, limita-se a conferir à União o poder de criar contribuições sociais, o que, evidentemente, inclui a prerrogativa de extinguir ou modificar a natureza de contribuições existentes. 6. A supressão do caráter compulsório das contribuições sindicais não vulnera o princípio constitucional da autonomia da organização sindical, previsto no art. 8º, I, da Carta Magna, nem configura retrocesso social e violação aos direitos básicos de proteção ao trabalhador insculpidos nos artigos 1º, III e IV, 5º, XXXV, LV e LXXIV, 6º e 7º da Constituição.”
- Estabelecer a jornada de trabalho em até 40 horas semanais, sem redução de salário e com controle das horas extras, eliminando as formas precarizantes de flexibilização da jornada. Assegurar o direito às jornadas especiais de trabalho das profissões e categorias submetidas à sistemática especial de atividade ou organização do trabalho.
Comentário:
Em 1995, foi apresentada à Câmara Federal a proposta de emenda constitucional (PEC) 231, de autoria do então deputado federal pelo PCdoB do Ceará Inácio Arruda, que visava a reduzir a carga horária semanal de trabalho de 44 para 40 horas, mediante alteração do inciso XIII do Art. 7º da CF.
Essa PEC tramitou, sem desfecho, por 20 anos, até 30 de junho de 2015, data de sua última movimentação. Em 2015, foi apresentada pelo senador Paulo Rocha, do PT-PA, e outros a PEC 89, com o mesmo propósito e igual desfecho. Em 2019, o deputado federal pelo PT de Minas Gerais Reginaldo Lopes apresentou a PEC 221, reduzindo a carga horária semanal de trabalho de 44 para 36 horas, ainda sem desfecho.
Enquanto isso, a Lei N. 13.467/2017, que reescreveu a CLT para transformá-la em consolidação das leis do capital, inverteu a ordem da hierarquia das normas e alterou a CF para autorizar o labor de duas horas extras diárias e jornada de 12×36 horas, sem intervalo para repouso e alimentação, ambas por meio “acordo” individual:
“ Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.”
“Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.”
- Regulamentar o Art. 7º, inciso XXVII, da Constituição Federal, que prevê a proteção dos trabalhadores frente a inovações tecnológicas que possam resultar em desemprego ou precarização, como frentistas, cobradores, caixas, entre outros, implementando políticas de transição para a assimilação dessas tecnologias, com ampla e intensiva qualificação e recolocação profissional.
Comentário:
Esse é mais um dos muitos incisos do Art. 7º da CF que aguardam regulamentação, há mais de 35 anos. Com exceção do inciso I, que trata da proteção contra despedida arbitrária ou sem justa, e que exige lei complementar, todos os demais que pendem de regulamentação exigem apenas lei ordinária.
A falta de regulamentação de todos os incisos do Art. 7º da CF,não se deve à falta de projetos de leis (PLs) que o façam; deve-se, isto sim, ao conúbio entre a maioria do Congresso Nacional, em todas as legislaturas, com os interesses do capital. O inciso XXVII, por exemplo, já teve vários PLs com a realçada finalidade, sendo o último o de N. 4035/2019, de autoria do senador Paulo Paim, com a seguinte ementa:
“Explicação da Ementa: Estabelece condições para a implementação de tecnologia que implique na supressão de postos de trabalho e sua substituição por processo automatizado. Determina que a dispensa de trabalhadores decorrente dependerá de negociação coletiva”.
Vale registrar que a mora legislativa quanto à regulamentação do inciso sob destaque conta com a prestimosa ajuda do STF, em decisão monocrática prolatada pela ministra Carmen Lúcia, exarada no mandado de injunção (MI) 618, ajuizado em 1999 e decidido em 2014, com a seguinte decisão, em síntese:
“Apreciados os termos do exposto na peça inicial, DECIDO.
[…]
- Quanto à alegada ausência de regulamentação do art. 7º, inc. XXVII, da Constituição da República, razão jurídica não assiste ao Impetrante. Na espécie, apesar de o Impetrante afirmar ter sido sua dispensa em decorrência da “automação da agência bancária, onde o mesmo trabalhava” (fl. 5), consta da comunicação de dispensa do Contrato de Trabalho: “A Coord. de Proces. Serv. Agencias / CPSA DIVINOPOLIS, comunica a rescisão de seu contrato de trabalho com o Banco BEMGE S.A., a partir de 04/12/1998 pelos seguintes motivos: a) Ajuste do quadro funcional em virtude do aumento de competitividade no segmento financeiro, queda do volume de negócios, e estabilização da economia; b) Inovações tecnológicas e racionalização de métodos e rotinas de trabalho. Registra-se. Belo Horizonte, 2 de dezembro de 1998” (fl. 19, grifos nossos). O art. 7º, inc. XXVII, da Constituição não estipula como direito do trabalhador proteção contra “inovações tecnológicas”, mas sim “em face da automação”, conceitos diferentes. Na automação substitui-se o trabalho humano pelo de máquinas. A inovação tecnológica está relacionada a mudanças na tecnologia, não havendo necessariamente a substituição do homem por máquina. Portanto, o Impetrante não apresenta a condição jurídica de pessoa cujo direito esteja inviabilizado pela ausência de norma regulamentadora de direito constitucionalmente assegurado.
[…]
- Pelo exposto, não conheço do mandado de injunção quanto ao art. 7º, inc. XXVII, da Constituição da República … Publique-se. Brasília, 29 de setembro de 2014. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora”
- Promover o princípio do “trabalho igual, salário igual” (Convenção 100 da OIT). Combater a alta rotatividade de trabalho das mulheres, instituindo a licença parental para progenitores ou adotantes de forma compartilhada, além de assegurar creche e escolas públicas de qualidade em tempo integral. Garantir à mãe o período de 180 dias de licença maternidade conforme orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde) e ratificar a Convenção 183 da OIT que amplia a proteção à maternidade presente nas convenções anteriores.
Comentário:
O Brasil carrega a triste marca de, no seu universo de desigualdade extrema, que o faz o nono país mais desigual do mundo, multiplicar a desigualdade de gênero, como revelam todos os indicadores aferidos pelo IBGE, em especial pela PNAD contínua, divulgados pelo Portal G1 aos 8 de março de 2022. E o faz não obstante os preceitos constitucionais, legais e convencionais que a proíbem, tais como:
– homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (Art. 5º, I, da CF);
– a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (Art. 5º, XLI, da CF);
– a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da Lei (Art. 5º, XLII, da CF);
– proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (Art. 7º, XXX, da CF);
– a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo (Art. 5º da CLT);
– sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade (Art. 461 da CLT).
A Convenção 100 da OIT — aprovada pelo Decreto Legislativo N. 24, de 29 de maio de 1956, e promulgada pelo Decreto N. 41.171, 25 de junho de 1957 — estabelece a igualdade de remuneração entre homens e mulheres por todo trabalho de igual valor.
Em que pese essa Convenção viger, no Brasil, há 65 anos, e as garantias constitucionais, há mais 33 anos, os dados da Pnad contínua são gritantes quanto à desigualdade entre homens e mulheres, nos seus mais diversos aspectos.
Eis alguns desses desoladores indicadores:
I) no quarto de trimestre de 2021, o quadro dos/as desocupados/as atestava que 45,5% eram homens e 54,5%, mulheres;
II) em um ano, a renda média do trabalho sofreu redução de 10,7%, atingindo, no quarto trimestre de 2021, o menor valor da série histórica, iniciada em 2012, R$ 2.447; a renda das mulheres caiu 11,125% e a dos homens, 10,42%;
III) ainda no quarto trimestre de 2021, a renda média das mulheres ficou 20,3% abaixo da auferida pelos homens, chegando a 38%, em cargos gerenciais;
IV) a quantidade de horas trabalhadas por semana foi 37,3 pelas mulheres e 41,9 pelos homens;
V) dos 12 milhões de desempregados, 6,5 milhões são mulheres; a taxa de desocupação entre os homens alcançou 9%, e, entre as mulheres, 13,9%; entre as mulheres sem ocupação, 58,% são negras e 39%, brancas;
VI) segundo o TST, entre 2019 e 2021, apesar das restrições às reclamações judiciais, impostas pela Lei N. 13.467/2017, visando a perpetuar as lesões aos direitos fundamentais sociais, e que foram prontamente acolhidas pela Justiça do Trabalho, foram ajuizadas, em âmbito nacional, 3.409 reclamações por assédio sexual e 52.936, por assédio moral.
A Convenção 183, de 2000, que trata da proteção à maternidade, ainda não foi ratificada pelo Brasil.
- Regulamentar a Convenção 189 da OIT que trata do trabalho doméstico, ampliando os direitos trabalhistas e previdenciários da Emenda Constitucional 72, que trata dos direitos das domésticas às trabalhadoras diaristas.
Comentário:
O efetivo reconhecimento do trabalho doméstico, que chega a 5,7 milhões de pessoas, segundo a Pnad divulgada aos 31 de março de 2022, somente se materializou com a promulgação da emenda constitucional (EC) 72, em 2013. Até então, esse colossal contingente de trabalhadores/as era tratado como subespécie, a quem se negava considerada parcela dos 34 direitos fundamentais sociais assegurados pelo Art. 7º da CF.
Não bastasse isso, em que pese o Decreto Legislativo N. 172/2017 haver ratificado a Convenção 189 e a Recomendação 201 da OIT, que regulamentam no plano internacional as relações de trabalho decente para os domésticos, o Poder Executivo, sob Temer e Bolsonaro, ainda não a promulgou. Daí a importância da reivindicação sob comentário.
- Defender a Convenção 158 da OIT, que restringe as demissões sem justa causa, e regulamentar o parágrafo 4º do artigo 239 da Constituição Federal, que onera empresas e setores que utilizam a alta rotatividade no trabalho como forma de achatamento salarial.
Comentário:
A Convenção 158 da OIT, de 1982, que dispõe sobre término de relação de trabalho por iniciativa do empregador (dispensa sem justa causa), foi ratificada pelo Decreto Legislativo 68/1992 e promulgada pelo Decreto 1.855/1996. Porém, escandalosamente, o Decreto 2.100, igualmente de 1996, denunciou-a. Com isso, sem se efetivar, deixou de vigorar a partir de 20 de novembro de 1997, um ano após sua denúncia.
Em junho de 1997, portanto, há 25 anos menos dois meses, a Contag ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 1.625, até hoje não julgada, questionando a constitucionalidade do referido decreto de denúncia. O relator original era o falecido ministro Maurício Correa, sendo a matéria redistribuída à ministra Carmen Lúcia.
Essa convenção, nem de longe, alcança a dimensão da proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, pendente de regulamentação por lei complementar, assegurada pelo inciso I do Art. 7º da CF. No entanto, representa significativo avanço nas relações de trabalho, que não gozam de nenhuma normativa protetiva no que diz respeito à chamada denúncia vazia dos contratos de trabalho (demissão sem justa causa), quer no plano individual, quer no coletivo.
Ao reverso, a Lei N. 13.467/2017 acrescentou à CLT o Art. 477-A, visando à desproteção total das demissões individuais e coletivas, fazendo-o, de forma inconstitucional em substituição à lei complementar prevista no Art. 7º, I, da CF, que nunca foi aprovada. E o fez para coibir a jurisprudência protetiva da Seção de Dissídios Coletivos do TST, firmada a partir do julgamento do recurso ordinário em dissídio coletivo (RO-DC) 309, de 2009, que versava sobre demissões em massa praticadas pela Embraer:
“Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.”
E o que é mais grave: o STF, em 2021, iniciou o julgamento do RE 999435, que trata das citadas demissões da Embraer, suspenso por pedido de vistas do ministro Dias Toffoli. Até agora, o placar é de três votos pela tese apresentada pelo relator, ministro aposentado Marco Aurélio, pela desnecessidade de negociação coletiva, e dois votos contrários à ela.
“Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), que dava provimento ao recurso extraordinário da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. – EMBRAER e Eleb Equipamentos LTDA, para, reformando o acórdão recorrido, assentar a desnecessidade de negociação coletiva considerada a dispensa em massa de trabalhadores, e estabelecia a seguinte tese (tema 638 da repercussão geral): ‘A dispensa em massa de trabalhadores prescinde de negociação coletiva’ no que foi acompanhado pelos Ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes; e do voto do Ministro Edson Fachin, que negava provimento ao recurso, o julgamento foi suspenso.”
“Decisão: Após o voto do Ministro Roberto Barroso, que divergia do Ministro Marco Aurélio (Relator) e negava provimento ao recurso extraordinário, pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli. Não participou o Ministro Luiz Fux (Presidente), impedido neste julgamento. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber (Vice-Presidente). Plenário, 20.05.2021 (Sessão realizada por videoconferência – Resolução 672/2020/STF).”
No tocante ao § 4º do Art. 239 da CF, para o qual se busca regulamentação, é mais um dos muitos dispositivos constitucionais que continuam sem eficácia por essa lacuna legislativa.
Nos termos desse parágrafo:
“§ 4º O financiamento do seguro-desemprego receberá uma contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho superar o índice médio da rotatividade do setor, na forma estabelecida por lei”.
- Garantir o reconhecimento do vínculo de emprego de trabalhos mediados por aplicativos, promovendo o acesso à previdência social, ao controle da jornada de trabalho, à promoção da saúde e segurança, ao pagamento de piso salarial e ao direito à organização sindical.
Comentário:
Essa árdua batalha, que não é de agora, acaba de ganhar alento com recente decisão da 3ª Turma do TST, tomada no recurso de revista (RR) 100353-02.2017.5.01.0066, com extensa ementa, mas que, por sua relevância social, é reproduzida, aqui, em excertos:
“[…] Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada – Uber do Brasil Tecnologia Ltda. – configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. […] De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado – neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. […] No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de “pejotização” e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). […] Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. […] Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica, em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva, tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural, mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima, que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente–se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho – no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas – são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada. Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial, já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório. Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido”.
- Rever a legislação que autoriza a terceirização sem limites e sem proteções, bem como as terceirizações no setor público em suas diferentes modalidades, de modo a assegurar a contratação de servidores públicos via concurso público.
Comentário:
A terceirização sem barreiras e limites, autorizada pelas leis Ns. 13.429/2017 e 13.467/2017, e chancelada pelo STF a partir do julgamento da ADPF 324, juntamente com o recurso extraordinário (RE) 958252, longe de buscar a otimização da produção e/ou dos serviços, como falsamente apregoado, tem por objetivo maior e indisfarçável a redução de custos, por meio da desproteção dos direitos trabalhistas. Esse objetivo é expressamente reconhecido pelo voto vencedor do ministro Roberto Barroso, no RE 635546, que negou equiparação salarial entre trabalhadores/as das prestadoras de serviço com os/as contratados/as pela empresa tomadora:
“A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratar de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são suas.
[…]
Além disso, a exigência de equiparação, por via transversa, inviabiliza a terceirização para fins de redução de custos, esvaziando o instituto. 5. Recurso provido. tese: “A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratar de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são suas.”
- Recolocar o Ministério do Trabalho e Emprego como coordenador do sistema público de trabalho, emprego e renda. O MTE deve garantir formação e qualificação profissional; intermediação pública de mão de obra; seguro-desemprego; combate aos acidentes e doenças do trabalho; proteção e fiscalização das relações de trabalho, assegurando a aplicação dos direitos trabalhistas e previdenciários; combate às fraudes no uso de PJs (Pessoas Jurídicas) e MEIs (Microempreendedor Individual); e combate vigoroso ao trabalho infantil e ao trabalho análogo ao escravo.
Comentário:
A extinção do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) pela Medida Provisória (MP) 870, convertida na Lei N. 13.844/2019 como primeiro ato do governo Bolsonaro, ao 1º de janeiro de 2019, seu primeiro dia de mandato, simbolizou a senha da desproteção do trabalho, com supressão do último bastião administrativo com que contavam os/as trabalhadores/as para fiscalizar o regular cumprimento de seus direitos trabalhistas constitucionais, legais e convencionais, bem como a saúde e a segurança do trabalho, o que, de fato, corre frouxo desde então.
A recriação do Ministério do Trabalho e da Previdência Social pela MP 1058/2021, convertida na Lei N. 14.261/2021, não se deu como resgate do MTE, com sua história de quase 80 anos e com sua finalidade; deu-se, isto sim, para que ele, abertamente, se constituí-se e se aprimorasse como instrumento do capital a serviço da exploração do trabalho.
- Promover a recuperação do poder de compra de aposentados e pensionistas para que essa população possa ter condições dignas de vida.
Comentário:
A concretização dessa justa e imprescindível bandeira depende, em primeiro lugar, da preservação da garantia constitucional de que nenhum benefício previdenciário seja inferior ao salário mínimo, e, em segundo lugar, com igual relevância, da retomada da política de valorização do salário mínimo, que lhe assegure a correção nominal pela inflação e aumento real, como o foi no período de 2003 a 2006. Nesse período, os aposentados não só mantiveram seu poder de compra, como o ampliaram de forma significativa, simplesmente pelo fato de o salário mínimo haver acumulado 78,7% de ganho real, ou seja, de correção acima da inflação.
Como já mencionado, há 18,5 milhões de benefícios previdenciários e 4,6 milhões de benefícios da prestação continuada (BPC), correspondentes ao salário mínimo.
- Retomar e ampliar a política nacional e setorial de promoção da saúde e segurança do trabalhador. Reverter as mudanças que prejudicam os trabalhadores nas revisões das NRs (Normas Regulamentadoras).
- Revogar a Emenda Constitucional 95 (teto de gastos), garantindo que o orçamento público cumpra a função de financiar as políticas públicas e investimentos, reduzir as desigualdades sociais e melhorar a vida da classe trabalhadora.
- Assegurar o acesso universal à seguridade social — saúde, assistência social e previdência social — pública e de qualidade para todos, independentemente do tipo de vínculo de trabalho, estendido aos órfãos, viúvas e trabalhadores com sequelas em decorrência da covid-19, bem como viabilizar fontes sustentáveis de financiamento, entre elas o fim da DRU (Desvinculação de Receitas da União) sobre o orçamento da Seguridade Social.
Comentários sobre os itens 47 e 51:
A seguridade social preconizada e assegurada pela CF de 1988 até as fatídicas EC 95/2016, que congelou os investimentos sociais por 20 anos, e 103/2019, que deformou a previdência social, ostentou o manto de a maior e mais ampla política pública de bem-estar e inclusão social, sendo as únicas, juntamente com a saúde e a educação, que se fazem presentes em todos os 5.570 municípios brasileiros.
O SUS, apesar da sangria que lhe fez e faz a EC 95/2016, foi determinante e decisivo para o combate à pandemia da covid-19; sem ele, o número de mortos se contaria na casa de milhões.
Por sua vez, em relação à previdência social, conforme dados extraídos do livro “A previdência social e a economia dos municípios”, publicado pela Anfipe e atualizado até 2020, as aposentadorias correspondentes a um salário mínimo constituem-se na principal fonte de riqueza de mais 4 mil dos 5.570 municípios brasileiros, representando mais do que o fundo de participação dos municípios (FPM). São elas a mola mestra do pulsar e do desenvolvimento desses municípios.
Todavia, essas políticas públicas maiores acham-se aprisionadas e em franco processo de derruição pelas deletérias mencionadas ECs 95/2016 e 103/2019.
A EC 103/2019, além de desconstitucionalizar o tempo de contribuição no regime geral de previdência social (RGPS) e retarda sobremaneira a aposentadoria de todos os segurados deste, pôs fim à modalidade por tempo de contribuição e, ainda, proibiu a criação de regime próprio para os mais de 3 mil municípios que não o criaram. Além disso, abriu brechas jurídicas para que haja 5.598 regimes de previdências para os servidores públicos, posto que cada ente federado poderá estabelecer suas regras, distintas de todos os demais.
O Art. 195 da CF teve acrescido o §14 para dificultar o acesso ao direito aos benefícios previdenciários, estabelecendo:
“O segurado somente terá reconhecida como tempo de contribuição ao Regime Geral de Previdência Social a competência cuja contribuição seja igual ou superior à contribuição mínima mensal exigida para sua categoria, assegurado o agrupamento de contribuições”.
Importa dizer: o segurado que contribuir com base em valor inferior ao salário mínimo não terá acesso a nenhum benefício previdenciário. Nessa condição, encontram-se dezenas de milhões, envoltos na rede de desproteção aos desempregados, sem carteira assinada, autônomos, informais e com contrato intermitente.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee
LINK: http://contee.org.br/conclat-2022-comentarios-sobre-a-pauta-da-classe-trabalhadora/
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