Programa de aprofundamento da crise
econômico-sanitária demonstra que a combinação da incompetência, da falta de
visão, da subserviência e de interesses mesquinhos são o caminho certo para a
miséria
Antonio José Alves Junior
Alexandre Freitas
Marcelo Pereira Fernandes
Rúbia C. Wegner
Miguel Carvalho
Lamounier E. Villela
Débora Pimentel
Alexandre Freitas
Marcelo Pereira Fernandes
Rúbia C. Wegner
Miguel Carvalho
Lamounier E. Villela
Débora Pimentel
24 de mar de 2020 às 15:37
O governo
Bolsonaro, com apoio de Alcolumbre e Maia, ao contrário do que faz todo o
mundo, anunciou medidas legais que dão as bases jurídicas para que a economia
brasileira aprofunde as tendências recessivas da crise econômico-sanitária. A
MP que permite a suspensão de salários no setor privado, pelos próximos meses, somada
à PEC emergencial, que prevê a redução dos 25% dos salários dos servidores
púbicos das três esferas de governo, afetam diretamente aos trabalhadores.
Unidas aos obstáculos legais e administrativos para que os mais pobres tenham
acesso aos programas sociais e à previdência, as medidas dão um choque negativo
de demanda que vai provocar um desemprego crescente, agravando as restrições de
oferta impostas pela estratégia de isolamento social interminável para combate
ao coronavírus.
Esse
programa de aprofundamento da crise econômico-sanitária patrocinado pela
direita brasileira e pelas demais forças que apoiam o governo, demonstra que a
combinação da incompetência, da falta de visão, da subserviência e de
interesses mesquinhos são o caminho certo para a miséria e todos os seus males,
para a forte regressão de um sistema produtivo já em decadência e para uma
escalada autoritária.
Nesse
sentido, professores do Departamento de Ciências Econômicas da UFRRJ abaixo
assinados se unem aos esforços intelectuais e políticos que vem sendo
realizados em todo o Brasil para sublinhar a gravidade e complexidade da crise
atual, mas, também, afirmar alternativas democráticas muito superiores ao que o
governo federal propõe para vencer a crise econômico-sanitária, apresentando o
seu
Manifesto
para um programa de emergência para a superação da crise econômico-sanitária de
2020
O
ano de 2020 começa com um desafio extraordinário para as políticas públicas. O
mundo e o Brasil se defrontam com uma crise de duas dimensões. De um lado, já
se manifesta uma crise financeira de grandes proporções, cuja origem remonta à
modéstia das reformas do sistema financeiro desde 2008 e avança nos países que
se abraçaram à austeridade. Suas consequências mais imediatas são a tendência à
queda da demanda agregada, ao aumento da inadimplência e do desemprego e à
redução dos investimentos. De outro, temos a eclosão da pandemia do coronavírus
diante de sistemas de saúde debilitados pelo sub-investimento decorrente de
políticas de austeridade e da desvalorização da saúde pública. A estratégia de
isolamento social indefinido para combatê-la não só afeta gravemente a já
debilitada demanda de bens e serviços como impõe, imediatamente, restrições
severas na oferta. Se a crise econômico-sanitária nos mostra, mais
uma vez, que as economias de mercado, deixadas por si, tendem a colapsar, desta
vez, contudo, as políticas expansionistas, que tradicionalmente são empregadas
para salvá-la, esbarram na inevitável crise de oferta que se vislumbra com a
pandemia. A crise de oferta e demanda é intolerável e insuportável. Se
prosperar, como é a tendência, o desemprego, a fome, a violência e a peste –
não apenas o coronavírus! – vão assolar o mundo.
Não é
trivial lidar com a combinação de crise de demanda com restrições de oferta. A
adoção de medidas de combate à esta crise é extremamente complexa.
Complexidade, no entanto, não significa impossibilidade. Exige o reconhecimento
de que respostas simples serão completamente insuficientes para combater a
crise econômico-sanitária. Medidas financeiras/monetárias e fiscais, em grande
escala, deverão ser colocadas em prática em tempo rápido, mas não lograrão
efeitos positivos sem o essencial o cuidado com o planejamento econômico e a
coordenação de políticas públicas para lidar com a restrição de oferta. O
despreparo do governo federal para lidar com a complexidade do quadro fica
evidente pela superposição de medidas, muitas vezes contraditórias e que se
revelam insuficientes já no dia seguinte. Apenas com expansionismo e com
o planejamento econômico ambicioso será possível mitigar os efeitos financeiros
e econômicos da crise econômico-sanitária e gerar os meios para
combater a pandemia.
No
Brasil, será fundamental reconhecer que as desigualdades sociais, que pioraram
nos últimos anos, deverão ser levadas em conta no planejamento. Situações de
carência material extremas não apenas são inaceitáveis, mas introduzirão muitas
dificuldades na contenção da pandemia. Estima-se que, apenas na cidade de São
Paulo haja 50 mil moradores de rua. No Rio de Janeiro, cuja população de rua
registra números crescentes, mais de 20% da população more em favelas
incrustadas na cidade. Esse quadro, que se reproduz nas aglomerações urbanas em
todo o país, se soma à grande pobreza rural. Essas populações, que sofrem em
tempos de normais, que sofrem ainda mais nas crises, serão ainda mais duramente
atingidas pelo covid-19 porque são privadas de condições sanitárias adequadas e
sujeitas a serviços públicos de saúde pública claramente insuficientes. A partir
do momento em que forem afetadas, será razoável esperar o aumento na taxa de
contaminação pelo covid-19. Não apenas os grupos sociais de baixa e
baixíssima renda sofrerão as piores consequências, mas, desta vez, mais do que
nos episódios de crises econômicas, a fragilidade das grandes populações
vulneráveis será uma ameaça para o conjunto da sociedade. A coordenação das
medidas, orientada pela solidariedade, deve partir do reconhecimento de
que a crise econômico-sanitária é de todos para que não dê lugar às inúteis e
perversas segregação e à violência.
Seguem
algumas medidas gerais que sugerimos para impedir que a crise
econômico-sanitária seja combatida e que apareça, rapidamente, uma
oportunidade de saída. Elas se alinham ao crescente consenso em torno da
urgência de que o governo federal no Brasil tenha maior ousadia e adote, sem
timidez, mas democraticamente, o expansionismo, a distribuição e o
planejamento.
Financeiro/monetário
Idealmente,
não se deve permitir que os fluxos financeiros sofram rupturas neste momento.
Deve-se afastar ao máximo a possibilidade de que as expectativas
empresariais de insolvência ganhem corpo e se desdobrem em efeitos depressivos.
Tais efeitos, como as demissões em massa, em uma economia já combalida como a
nossa, aumentarão a insegurança e o desespero já em cena pela ameaça direta à
vida trazida pelo coronavírus. Jogar o dinheiro de helicóptero não é a solução,
pois há também o desafio de prover bens e serviços, com ênfase no combate ao
coronavírus.
Para
tanto, é necessário garantir ao sistema bancário que os problemas de falta de
liquidez, e até mesmo da insolvência, provocados pela inadimplência temporária,
serão sanados pelo Banco Central com custos desprezíveis. Essa missão
tradicional das autoridades monetárias será importante para a saúde financeira
dos bancos, mas claramente insuficiente se não for transformada em operações de
crédito. E tais operações de crédito, em condições muitíssimo favoráveis,
deverão ser voltadas para o resgate da saúde financeira das empresas, mas
condicionadas à manutenção de empregos.
O crédito
às empresas deve ser concedido em volumes generosos, com juros baixos, desde
que seja para a renegociação de todas as obrigações de curto prazo, as que
vencem nos próximos 6 meses – tempo estimado para o fim da pandemia –,
incluindo todas aquelas necessárias para melhorar radicalmente as condições
sanitárias no ambiente de trabalho. O objetivo é ampliar a produção e o
funcionamento das empresas sem prejudicar o combate à pandemia. Além de garantir
a demanda agregada e os empregos, a paralisação da economia com o isolamento
social tem de ser evitada na máxima extensão possível para gerar oferta. Para
tanto, é necessário agir com inteligência e gastar bastante para aumentar a
segurança nas condições de trabalho. O ataque com políticas públicas às
tendências, normais em economias de mercado, de queda de demanda e de choques
de oferta, nessa crise econômico-sanitária, é crucial para evitar o
pânico.
Garantir
o pagamento de salários, impostos e tarifas públicas, dívidas com fornecedores
e cobrir os gastos com condições sanitárias adequadas será crucial. As linhas
de crédito seriam condicionadas à manutenção – ou, quem sabe, aumento - do
nível de empregos formais de 8 horas diárias, e a melhoria das condições
sanitárias pelo prazo de duração do financiamento.
Nenhuma
empresa seria obrigada a tomar essa linha de crédito, em condições favoráveis,
contra sua vontade. No entanto, a condição que as empresas têm de obedecer se
quiserem se servir dessa linha de crédito é não reduzir seu contingente de
funcionários e o valor da folha de pagamentos até a quitação total do
financiamento. A penalidade seria o vencimento antecipado das suas obrigações
com juros punitivos. Para o empresário, quando mais longos os prazos do
financiamento, mais suaves serão as suas prestações, mas maior o tempo em que
se obrigariam a manter funcionários empregados. Os incentivos poderiam ser
ainda maiores para o alargamento do financiamento, com juros mensais menores na
medida em que os prazos de financiamento forem maiores.
Uma
dificuldade é saber se os bancos privados poderão ter interesse nesse tipo de
financiamento, mesmo que os bancos centrais os financiassem a custos muito
baixos, o que incluiria juros baixíssimos e a determinação de que os
financiamentos emergenciais não consumissem capital, para efeito do cálculo do
índice de Basileia. Claro, para assegurar o sucesso desse programa, os bancos
públicos deveriam estar preparados para conceder créditos em volumes
suficientes em condições generosas e previamente determinadas, aumentando a
pressão competitiva sobre os bancos privados, que possivelmente teriam seu
apetite aumentado pela manutenção da SELIC em patamares baixos.
Essa
modalidade de financiamento poderia ser estendida, ainda, às famílias. De modo
similar ao que se faz com as empresas, a linha de crédito deve mirar o
pagamento de empregadas domésticas, impostos e tarifas públicas, além da
renegociação de dívidas por um período equivalente, mesmo durante o período de
isolamento social. A obrigação da família deveria ser semelhante a das
empresas, isto é, manter as empregadas domésticas formalizadas, recebendo em
dia, pelo período de duração do financiamento.
Se essas
medidas forem implementadas, elas mirarão nas dificuldades urgentes de empresas
e famílias, mas gerarão efeitos macroeconômicos positivos que poderão se
perpetuar. Assim, se as empresas e famílias conseguirem pagar seus
fornecedores, suas contas de água, luz e outros serviços, tributos e,
principalmente, os salários de seus funcionários, as famílias e as empresas
acabarão sendo beneficiadas pelo crescimento da renda. Mais, ainda, é preciso
incluir nessa linha de financiamento a aquisição de máscaras, luvas e
equipamento de segurança, higiene e limpeza para assegurar condições de
trabalho e aumentar as condições para que as empresas voltem a funcionar sem
que se tornem vetores que acelerem a transmissão do vírus. Trata-se de
combater, simultaneamente o choque de oferta e demanda a partir da organização
existente da produção.
Se o
governo liderar essas ações com determinação e generosidade, a sociedade se
tornará mais confiante, empresas e famílias quererão manter seus funcionários e
pagarão suas despesas financeiras ligadas ao programa. As empresas fornecedoras
de serviços públicos terão receitas garantidas e a arrecadação de tributos e
contribuições será mantida, melhorando a saúde financeira dos entes
federativos.
As demais
linhas de financiamento, desde aquelas voltadas para o investimento até a aquisição
de bens de consumo poderiam ser também facilitadas. Evidentemente, o
financiamento de atividades consideradas essenciais no combate ao Corona vírus,
como expansão da indústria farmacêutica, higiene e limpeza, ou da indústria
ligada ao saneamento, desde que tenham que cumprir alguma missão designada
pelas decisões políticas do sistema de planejamento, poderiam contar com
vantagens adicionais, como juros baixíssimos, carências e prazos dilatados.
Como já mencionado acima, os gastos com a manutenção de condições sanitárias
ideais nas empresas e nas famílias devem ser indubitavelmente privilegiados.
Por fim,
cabe dar um tratamento cuidadoso à Bolsa de Valores. Muitas pessoas e até
economistas consideram, com alguma razão, que a Bolsa de Valores é um cassino e
que, como em todo cassino, se quebrar, deve ser assunto tratado entre
apostadores e gangsters. Em que pese a falta de simpatia popular pela Bolsa de
Valores, o fato é que em vários países, é nesse espaço que se negocia a
propriedade em empresas relevantes, como, no nosso caso, a Petrobrás e a Vale.
Além disso, a Bolsa de Valores, mesmo no Brasil, tem potencial, que não pode
ser desperdiçado, de se tornar uma alternativa para o funding do
investimento.
Recentemente,
o BNDES vendeu ações da Petrobrás. Por coincidência, vendeu na alta, obtendo
lucros que salvaram seu pífio desempenho recente com operações de financiamento
de longo prazo. Agora que os preços das ações, incluindo os da própria
Petrobrás, estão na bacia das almas, o BNDES deveria, imediatamente, recomprar
as ações ordinárias e preferenciais da Petrobrás, bem como colocar em prática a
compra de ações de outras empresas estratégicas para o desenvolvimento. Sabe-se
que o governo atual não se comoverá com o argumento de que a recompra das ações
dará ao Estado maior controle sobre as empresas estratégicas. Contudo, um
argumento mais mesquinho poderia sensibilizar a favor da recompra de ações: a
recomposição da carteira propiciaria maiores lucros no futuro para o BNDES,
passada a atual crise das commodities, elevando o resultado primário e o lucro
da instituição.
Mesmo que
a motivação tenha essa origem mais baixa, um banco de desenvolvimento que
pretende fortalecer o sistema bancário privado e o mercado de capitais não pode
desprezar o valor da estabilização da Bolsa, ainda mais nessa crise
econômico-sanitária. Agindo como um market-maker, anunciando a compra de ações
até um preço fixo e até um volume relevante, calculado a partir dos seus muitos
recursos ociosos e de linhas especiais abertas pelo Banco Central para essa
finalidade, o BNDES ajudaria a estabilizar as cotações, com efeitos positivos:
1) daria mais tranquilidade aos bancos que tem essas ações como garantias de
financiamentos concedidos às empresas; 2) reduziria as perdas de fundos e
investidores em geral, mitigando a pressão desses agentes, em busca de
liquidez, sobre os mercados financeiros já combalidos; 3) restabeleceria a
confiança do público em investidores institucionais que se arriscam em mercados
diferentes dos de dívida pública.
Por fim,
se o BNDES for determinado e fizer um anúncio à altura do desafio, os preços
das ações-alvo poderiam subir e se estabilizar sem que, necessariamente, fosse
levada a cabo a intervenção maciça anunciada. Exerceria, assim, mais facilmente
o seu papel, pelo efeito positivo sobre as expectativas, de estabilizar a bolsa
de valores. Contribuiria, ainda, para contrariar a visão consolidada no Brasil
de que a Bolsa de Valores, em particular, e o mercado de capitais, em geral,
operam como cassinos que jamais poderão ser uma alternativa de funding
do investimento.
Essas
medidas, unidas a uma política fiscal mais agressiva, contrariam a tendência de
economias de mercado em situações de estresse/crise, que é explodir em uma
crise financeira e promover a desmobilização produtiva. Já o que faz o governo
Bolsonaro, com apoio decisivo de Maia e Alcolumbre, é seguir estupidamente a
receita do desastre, criando a base jurídica para a tendência ao colapso de
economias de mercado, favorecendo o desemprego, a redução da renda dos
trabalhadores. Enfraquecem a demanda agregada, numa espiral negativa que trará
consequências sociais e políticas que não podem ser projetadas sem o recurso a
imagens de horror.
Fiscal
A crise
do corona será muito grave se medidas emergenciais e bem direcionadas não forem
tomadas. A desejada vacina e os necessários medicamentos para a cura ainda não
estão disponíveis. Mas há carências que poderiam ser progressivamente
amenizadas com decisão política de encomendar bens e serviços. A produção de
luvas, máscara, álcool em gel, paracetamol, demais equipamentos básicos de
segurança, não só para profissionais de saúde, de segurança pública, como,
também, para os demais trabalhadores (coleta de lixo, limpeza urbana,
logística, comércio e indústria), poderia ser estimulada por meio do
compromisso de aquisição ilimitada, pelo governo, dos bens e serviços
elegíveis. Essa decisão facilitaria o planejamento das cadeias produtivas,
aumentando a confiança empresarial necessária para a produção e os
investimentos, incluindo tanto aqueles necessários para a reconversão de
fábricas e instalações como os exigidos para a reativação daquelas ociosas,
visando deslocar para cima a restrição de oferta de bens e serviços.
A aquisição
ilimitada de bens e serviços, direta e indiretamente necessários para o combate
à pandemia, requer que, de um lado, seja fortalecido o crescente consenso de
que não é hora de obedecer ao Teto de Gastos, à Regra de Ouro e à LRF. A falta
de recursos financeiros para a aquisição de serviços e bens, prioritariamente
produzidos no país, é simplesmente uma tolice crescentemente reconhecida e não
deveria servir de justificativa para o avanço de PECs cujo objetivo é cortar os
gastos. Os políticos que patrocinarem medidas que enfraquecerão a demanda e
aumentarão a insegurança das pessoas, serão marcados, corretamente, como
inimigos do povo por arremessarem a sociedade no caos econômico, social e
político que ainda não experimentamos.
De outro
lado, estamos em uma fase em que se observa que as livres forças de mercado
podem produzir desastres de oferta. Macroeconomicamente, os anos de
investimentos estagnados, o acúmulo de capacidade ociosa, o elevado desemprego
e a fragilidade do sistema de saúde – reconhecida pelo ministro Mandetta -
mostram como recursos empregáveis podem permanecer inutilizados. No entanto, no
caso da crise econômico-sanitária, a escassez de máscaras, álcool em gel,
paracetamol e hidroxicloroquina demonstra que a demanda motivada por fins especulativos
e pelo pânico pode causar distorções com consequências sociais gravíssimas,
como o mal funcionamento dos serviços de saúde e a distribuição de produtos
falsificados para a população que colocam em risco a vida. Assim sendo,
garantida a demanda ilimitada pelo amplo conjunto de bens e serviços voltados
direta e indiretamente ao combate à pandemia, é preciso regular e planejar as
atividades durante o combate emergencial ao coronavírus em condições
adversas.
No caso
da infraestrutura, ginásios esportivos, templos religiosos e galpões ociosos
devem ser urgentemente adaptados para que seja possível dar tratamento básico
aos acometidos de doenças. Construções rápidas e a abertura de tendas médicas
devem ser estimuladas. A contratação de pessoal preparado e que pode ser
rapidamente treinado para tarefas auxiliares tem de estar em tela. Claro que
não só essas medidas como as anteriores são mencionadas por nós, não
especialistas em tema de saúde, a título de exemplo. São os especialistas no
tratamento do coronavírus e em saúde coletiva que devem apontar o conjunto de
necessidades. O ponto aqui é sublinhar que não se deve esperar que o mercado ou
o acaso resolvam tempestivamente, e na escala necessária, as dificuldades
enfrentadas.
Além da
infraestrutura médica, devem ser tomadas medidas que facilitem o transporte de
cargas e intensifiquem a limpeza de ruas e dos meios de transporte de carga e
pessoas são urgentes. Há crescentes relatos de que os trabalhadores nesses
serviços essenciais estão desprotegidos, que as condições de higiene e limpeza
estão se tornando precárias, aumentando riscos de contaminação mesmo em
condições de isolamento social.
Uma
advertência que fazemos é que a timidez das ações que devem ser tomadas
imediatamente pode tornar o autoritarismo a regra para tratar da escassez e da
pandemia, aumentando o pânico. É melhor que as autoridades não se deixem
guiar pelos cenários mais modestos, que se pareçam, à luz do que se
experimentou até hoje, razoáveis. Essa é a receita do caos e do desastre para
situações extraordinárias, porque cria situações de escassez desnecessárias e
diminui a confiança do povo nos governos. As autoridades devem se antecipar aos
cenários mais improváveis, sem se preocupar com o risco do
superdimensionamento. Os planejadores devem procurar atender às necessidades
tomando todas as medidas para aproveitar recursos ociosos e adaptar aqueles que
poderiam ter melhor emprego, explorando ao máximo as possibilidades que vão se
apresentando. A obediência a regras fiscais impostas pelos defensores de
políticas de austeridade, em nome da estabilidade do mercado financeiro, já se
demonstravam antes um erro e um desperdício de oportunidades de crescimento. O
programa neoliberal aumentará ainda mais as defasagens no sistema produtivo, já
dando sinais de colapso no sistema de tratamento do covid-19 e na oferta dos
demais bens e serviços necessários.
O
planejamento contribui com a demanda e na oferta de serviços. O sistema
produtivo brasileiro, devidamente organizado para os fins de combate ao
coronavírus, pode dar mais para amenizar enormes necessidades atuais. Por
exemplo, a produção de álcool 70, que não tem sido encontrado com facilidade,
em uma escala superior à atual, não deveria ser uma dificuldade relevante para
o maior produtor de álcool do mundo, para um dos maiores produtores de bebidas
e com um sistema de logística urbana bem desenvolvido. Cabe forçar a
conversão necessária das instalações, assegurando lucratividade justa aos
produtores para garantir a oferta de bens e serviços.
Não
bastasse o corona, um dos problemas mais graves no Brasil é a falta de
empregos. O combate ao coronavírus pode ser uma boa oportunidade para se
colocar em prática um programa de geração de empregos. Sabe-se que é preciso
convocar mais profissionais especializados para a missão, indo de médicos,
enfermeiros, motoristas de ambulância, recepcionistas e outros, além de
garantir que possam trabalhar com as melhores condições sanitárias que se possa
prover. A oferta de condições seguras de trabalho e o pagamento justo não
deverá ser de grande dificuldade, especialmente em uma economia com desemprego
tão elevado e grande ociosidade industrial. O problema que enfrentamos, que tem
solução: a mobilização dessa força produtiva até o limite máximo. Os ganhos
sociais seriam enormes. As pessoas empregadas se sentiriam úteis e o nível de
renda aumentaria. Mas, para insistir nesse ponto, a mobilização das forças
produtivas não pode ser obstaculizada por exigências fiscais tolas.
Há ainda
que se ter atenção e respeito com a massa de famílias pobres e miseráveis,
cujos responsáveis são desempregados e subempregados. O governo não apenas tem
a obrigação de afirmar que as transferências sociais de quem já as recebe está
garantida, como deveria aumentar o público alvo e os valores dos benefícios
sociais pelo período que for necessário. Essa é uma medida que ajudará a
combater o coronavírus, melhorando as precárias condições materiais dos mais
pobres e miseráveis, permitindo-lhes, inclusive, manter o isolamento possível
sem a pressão da luta desesperada pela sobrevivência. Ademais, o aumento das
transferências ajudará a sustentar a demanda agregada de bens e serviços e os
empregos.
Nessa
hora mais difícil, infelizmente, mas não de forma surpreendente, podemos
testemunhar que as lideranças do Congresso Nacional e a Presidência da
República agem no sentido oposto ao que deveria ser feito, favorecendo os
mecanismos mais perversos das economias de mercado, ao lhes dar legitimidade
jurídica, e atuando contra os interesses da sociedade. Não reconhecem que a
reforma trabalhista, ao contrário do que foi prometido, rebaixou os salários e
tornou normal o trabalho precário. Não levam em conta que as medidas de
austeridade enfraqueceram a economia, debilitando o serviço público, cuja
expressão dos nossos tempos é o colapso do sistema de saúde. Precisam ser
levados a mudar de posição, diante das limitadas condições da sociedade
brasileira enfrentar a crise econômico-sanitária. Tem de ser convencidos a
reverter as medidas que nos trouxeram até aqui. Ao invés disso, a realidade, ao
menos até o momento, nos diz que a aliança Bolsonaro-Guedes-Alcolumbre-Maia tem
se empenhado em apostar no caos.
Os
ajustes fiscais que continuam sendo feitos na forma da introdução de restrições
burocráticas à concessão de benefícios previdenciários e ao bolsa-família,
prejudicando diretamente os mais pobres. Além disso, Bolsonaro e Paulo Guedes,
com apoio irrestrito e decidido de Rodrigo Maia e de David Alcolumbre –
miseravelmente infectado pelo covid-19 – gastam seu capital político para
aprovar uma emenda constitucional, a toque de caixa, que visa cortar os
salários dos servidores públicos e sustentar uma MP que permitirá a supressão
dos salários. Por fim, o governo federal continua insistindo em medidas que
serão inúteis do ponto de vista fiscal, mas deixarão sequelas graves para o
país, como o corte nas bolsas de pesquisa. Faz-se exatamente o oposto do que se
deveria fazer quando a sociedade precisa mais da ciência. É um programa da
miséria e da ignorância que tem de ser encerrado e substituído por uma política
progressista de combate à crise econômico-sanitária.
Essas e
outras ações contraproducentes não apenas enfraquecerão demanda agregada e
agravarão a concentração de renda como, ainda, aumentarão a já elevada
antipatia e resistência contra o Congresso Nacional e ao Executivo. Isso é
péssimo para o país, pois é precisamente agora que se exige confiança nas
autoridades para uma ação conjunta e coordenada que visa combater a crise
econômico-sanitária.
A crise
econômico-sanitária que vivemos vai exigir dos estados e municípios muito
esforço e o fortalecimento das ações federativas. Ocorre que não só não lhes
cabe fazer política monetária como não são capazes de gerar recursos
financeiros para executar suas políticas. Contudo, a sinalização do governo
Bolsonaro-Guedes tem sido péssima, apontando para o ajuste das finanças em vez
da sua expansão, para o conflito com os governadores ao invés do planejamento
das ações e da cooperação.
As
medidas econômicas, até agora, tem sido uma estupidez que vai nos custar
caríssimo em termos de desmobilização econômica. A começar com o fato de que o
ajuste fiscal de Estados e Municípios será impossível: a contração esperada do
PIB brasileiro vai agravar ainda mais as suas finanças já combalidas pela via
da redução das receitas e pelo aumento brutal da demanda de serviços públicos.
Cabe ao governo federal, imediatamente, favorecer os gastos em geral com
saúde para que não seja inevitável adotar medidas para conter uma revolta
popular que já se pode projetar.
Na
condição de principal credor de estados e municípios, o governo federal deve,
desde já, aliviar-lhes o pagamento das dívidas, se antecipando às medidas
judiciais como a que garantiu o benefício a São Paulo. Mas isso será
claramente insuficiente: é preciso que patrocine as políticas dos entes,
transferindo-lhes recursos em massa, e coordenar, com a maior precisão, as
ações, pois, não nos esqueçamos, a crise econômico-sanitária é de demanda e
oferta! Aqui o objetivo deve ser mitigar o sofrimento econômico e social e
recuperar, o quanto antes, a produção de bens e serviços ao mesmo tempo em que
se combate a pandemia. Isso, a economia de mercado não pode fazer
sozinha.
Na
relação federativa, o papel do planejamento é fundamental para assegurar que os
resultados das políticas sejam adequados. A segurança pública, as ações rápidas
de saneamento, o controle das estradas, das demais vias e a oferta de diversos
serviços essenciais, como os de saúde e educação, cabe a estados e municípios.
A atribuição clara e pactuada de hierarquias e responsabilidade, orientadas
pela minimização de conflitos com as unidades da federação exigirá confiança
mútua, que se atinge com negociações sérias, inteligentes, com generosidade
fiscal, sempre orientadas pelo conhecimento, em ambiente democrático.
Infelizmente,
o que se vê, é o conflito, com o governo federal tentando manter seu poder por
meio da imposição de restrições aos estados e municípios. Isso tem de parar
imediatamente.
Internacional
A solução
da atual crise econômico-sanitária, que tem muitas facetas, afetando de forma
diferente cada país, exigirá o aprimoramento das relações internacionais.
Serão
necessários acordos comerciais para facilitar e planejar a exportação e
importação dos bens e serviços necessários ao combate do coronavírus, planos de
contenção de migrações desordenadas e de repatriação, de controle de vetores de
contágio, de cooperação técnica e científica além da coordenação de programas
financeiros que, ao que tudo indica, serão de larga escala. Entre as áreas de
cooperação, um programa global de expansão dos gastos públicos, especialmente
aqueles voltados para populações vulneráveis seria crucial. O estímulo a
indústrias e infraestruturas especiais que sejam valiosas para a erradicação da
ameaça do Corona e de novas pandemias globais devem ser intensificados. A
erradicação da habitação em condições precárias, o acesso generalizado ao
saneamento e o fortalecimento de sistemas integrados de saúde parecem ser
candidatos a ações de curtíssimo, curto, médio e longo prazos em escala
internacional. As várias ações, conduzidas por líderes confiáveis e
comprometidos com soluções inteligentes será crucial para que se estabeleçam
medidas cooperativas e democráticas.
Essa
experiência pode ser um embrião para o tratamento de questões globais contra as
quais as defesas têm se mostrado limitadas. O combate às mudanças climáticas
pela conversão das economias atuais em direção àquelas de baixo carbono, o
estabelecimento de estratégias de controle de pandemias e as reformas
financeiras visando a mitigação de crises internacionais estão na agenda, ainda
que seu apelo seja muito grande quando se tornam eventos e percam interesse nos
demais momentos. Evidentemente, para levar adiante uma agenda robusta, exige-se
liderança, planejamento e discussões de alto nível em ambiente democrático e
ilustrado. Terraplanistas, criacionistas, participantes de movimentos
anti-vacina devem ser obviamente mantidos à distância.
Conclusões
É preciso
reconhecer que será difícil ultrapassar essa crise econômico-sanitária. Os
desafios urgentes são enormes e as possibilidades de superá-los com a
eliminação completa de sacrifícios é uma esperança vã. Não obstante, a aposta
no acaso e nas forças de economia de mercado para resolver os problemas de
oferta e demanda imporá dor e sofrimento elevados e desnecessários à população,
em especial, aos mais pobres. A pandemia e a crise financeira gerarão ainda
consequências graves, como o aumento radical do desemprego e a escassez de bens
e serviços, em especial, se apenas as forças de mercado e os interesses mais
mesquinhos sustentarem as políticas neoliberais. Dependendo da escala que esses
problemas podem alcançar, a segurança pública e os laços de convivência sofrerão
grandes ameaças. O governo não pode dar vazão aos comportamentos vis e abjetos
demonstrados por aqueles que, para garantir a sobrevivência e lucros extras no
curto prazo, não hesitarão em medidas econômicas contrárias ao interesse
público. Tais medidas abatem a confiança e atacam a solidariedade
necessária para que a sociedade vença as atuais dificuldades, abrindo espaço
para a perseguição de grupos sem capacidade de defesa, perseguição sempre
aconselhada por preconceitos latentes e interesses não confessáveis, que,
nessas horas, podem abrir o caminho medidas autoritárias ou para o
autoritarismo.
Vencer o
caos exige que se considere a múltipla natureza da atual crise. Ela é de falta
de demanda e é de estresse financeiro, mas também de restrições de oferta e de
ameaça direta à vida. A obediência a qualquer mito e às rotinas levará ao
fracasso não apenas do Executivo e do Legislativo, mas da sociedade, uma vez
que as consequências dos desdobramentos dessa crise apontam para um desastre
iminente. É urgente a ruptura das tolas amarras fiscais atualmente vigentes e a
atenção total à estabilização de fluxos financeiros. A afirmação do
planejamento, orientado pela ciência e pelos especialistas, será fundamental
para guiar a oferta de bens e serviços necessários para a resolução dos
problemas de curtíssimo e curto prazo ligados à pandemia e à crise
econômico-financeira. Isso exigirá a um ambiente de confiança mútua, formado a
partir da negociação política interna e externa em um ambiente democrático,
envolvendo todo o povo. Mais do que nunca, o esforço, a determinação, a
perseverança e a inteligência serão exigidas das lideranças. Não se poderá
vacilar nesse momento para que se possa almejar e merecer as recompensas de uma
sociedade mais solidária, operando em busca do pleno emprego e com muita saúde.
Assinam:
Antonio
José Alves Junior
Alexandre Freitas
Marcelo Pereira Fernandes
Rúbia C. Wegner
Miguel Carvalho
https://operamundi.uol.com.br/coronavirus/63712/manifesto-para-um-programa-de-emergencia-para-a-superacao-da-crise-economico-sanitaria-de-2020?fbclid=IwAR3335HYIl2Zt5Z7f1qyvHodvl3tFbdeCbROxm-qAxpz7DpmrGXkVjeLvFM
Alexandre Freitas
Marcelo Pereira Fernandes
Rúbia C. Wegner
Miguel Carvalho
https://operamundi.uol.com.br/coronavirus/63712/manifesto-para-um-programa-de-emergencia-para-a-superacao-da-crise-economico-sanitaria-de-2020?fbclid=IwAR3335HYIl2Zt5Z7f1qyvHodvl3tFbdeCbROxm-qAxpz7DpmrGXkVjeLvFM