Texto critica difusão da ideia de
que austeridade fiscal e monetária seria única solução
Nomes
como Maria da Conceição Tavares, Luiz Gonzaga Belluzzo, João Sicsú e Marcio
Pochmann assinam manifesto, publicado na plataforma Avaaz, contra o pensamento
único que estaria sendo veiculado pela imprensa tradicional, de que a
austeridade fiscal e monetária seria a única solução para o país. Eles dissertam
sobre os perigos de um reforço da austeridade, e a necessidade de manter as
taxas de juros reais em níveis baixos e de apresentar um regime fiscal
comprometido com a retomada do crescimento. Iniciativas contracionistas,
apontam, se necessárias, poderiam ser adotadas quando a economia voltar a
crescer.
Intitulado
"Economistas pelo desenvolvimento e pela inclusão social", o
documento contava com 458 assinaturas por volta das 20h desta quinta-feira (6).
"Sem o contraponto propiciado pela campanha e pelo horário eleitoral
gratuito, os meios de comunicação propagaram quase exclusivamente a opinião que
a austeridade fiscal e monetária é a única via para resolver nossos problemas.
Isto vai na contramão da opinião de economistas de diferentes matizes no Brasil,
mas reverbera o jogral dos porta-vozes do mercado financeiro. Estes defendem
solucionar a desaceleração com a 'credibilidade' da adesão do governo à
austeridade fiscal e monetária, exigindo juros mais altos e maior destinação de
impostos para o pagamento da dívida pública, ao invés de devolvê-los na forma
de transferências sociais, serviços e investimentos públicos".
O texto
aponta que tal austeridade não teria capacidade de retomar o crescimento ou
combater a inflação, levando em conta a ameaça de recessão prolongada. Levaria
ainda, completam, à redução do consumo das famílias e do investimento privado,
em um "círculo vicioso" de desaceleração, provável queda na
arrecadação tributária, menor crescimento econômico e maior carga da dívida
pública líquida.
"Entendemos
que é fundamental preservar a estabilidade da moeda. Também somos favoráveis à
máxima eficiência e ao mínimo desperdício no trato de recursos tributários:
este tipo de austeridade, sim, denota espírito público e será sempre desejável.
Rejeitamos, porém, o discurso dos porta-vozes do mercado financeiro que chama
de 'inflacionário' o gasto social e o investimento público em qualquer fase do
ciclo econômico", salientam.
Confira o
manifesto na íntegra:
A
campanha eleitoral robusteceu a democracia brasileira através do debate franco
sobre os rumos da Nação. Dois projetos disputaram o segundo turno da eleição
presidencial. Venceu a proposta que uniu partidos e movimentos sociais
favoráveis ao desenvolvimento econômico com redistribuição de renda e inclusão
social. A maioria da população brasileira rejeitou o retrocesso às políticas
que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais.
É de se
esperar que o pluralismo de opiniões fortaleça nossa democracia depois da pugna
eleitoral. Desde 26 de outubro, contudo, a difusão de ideias deu a impressão de
que existe um pensamento único no diagnóstico e nas propostas para os graves
problemas da sociedade e da economia brasileira. Sem o contraponto propiciado
pela campanha e pelo horário eleitoral gratuito, os meios de comunicação
propagaram quase exclusivamente a opinião que a austeridade fiscal e monetária
é a única via para resolver nossos problemas.
Isto vai
na contramão da opinião de economistas de diferentes matizes no Brasil, mas
reverbera o jogral dos porta-vozes do mercado financeiro. Estes defendem
solucionar a desaceleração com a “credibilidade” da adesão do governo à
austeridade fiscal e monetária, exigindo juros mais altos e maior destinação de
impostos para o pagamento da dívida pública, ao invés de devolvê-los na forma
de transferências sociais, serviços e investimentos públicos.
Subscrevemos
que este tipo de austeridade é inócuo para retomar o crescimento e para
combater a inflação em uma economia que sofre a ameaça de recessão prolongada e
não a expectativa de sobreaquecimento. O reforço da austeridade fiscal e
monetária deprimiria o consumo das famílias e os investimentos privados,
levando a um círculo vicioso de desaceleração ou mesmo queda na arrecadação
tributária, menor crescimento econômico e maior carga da dívida pública líquida
na renda nacional.
Entendemos
que é fundamental preservar a estabilidade da moeda. Também somos favoráveis à
máxima eficiência e ao mínimo desperdício no trato de recursos tributários:
este tipo de austeridade, sim, denota espírito público e será sempre desejável.
Rejeitamos, porém, o discurso dos porta-vozes do mercado financeiro que chama
de “inflacionário” o gasto social e o investimento público em qualquer fase do
ciclo econômico.
Tampouco
compreendemos o argumento que associa a inflação ao gasto público representado
por desonerações que reduzem custos tributários e subsídios creditícios que
reduzem custos financeiros. A inflação, aliás, manteve-se dentro da meta no
governo Dilma Rousseff a despeito de notáveis choques de custos como a correção
cambial, o encarecimento da energia elétrica e a inflação de commodities no
mercado internacional.
A
austeridade agravou a recessão, o desemprego, a desigualdade e o problema
fiscal nos países desenvolvidos mesmo tendo sido acompanhada por juros reais
baixíssimos e desvalorização cambial. No Brasil, a apreciação cambial
estimulada por juros reais altos aumenta o risco de recessão, ao acentuar a
avalanche de importações que contribui para nosso baixo crescimento.
É
essencial manter taxas de juros reais em níveis baixos e anunciar publicamente
um regime fiscal comprometido com a retomada do crescimento, adiando
iniciativas contracionistas, se necessárias, para quando a economia voltar a
crescer. A atual proporção da dívida pública líquida na renda nacional não é
preocupante em qualquer comparação internacional.
O que nos
preocupa é a possibilidade de recessão e a carência de bens públicos e
infraestrutura social reclamada pela população brasileira. Atendê-la não é apenas
um compromisso político em nome da inclusão social, é também uma fronteira de
desenvolvimento, estímulo ao crescimento da economia e em seguida da própria
arrecadação tributária.
Esta
opinião divergente expressa por parte importante dos economistas brasileiros
não pode ser silenciada pela defesa acrítica da austeridade, como se o mantra
que a louva representasse um pensamento único, técnico, neutro e competente. Um
dos vocalizadores desse mantra chegou a afirmar que um segundo governo Dilma
Rousseff só seria levado a caminhar em direção à austeridade sob pressão
substancial do mercado, o que chamou de "pragmatismo sob coação".
Esperamos contribuir para que os meios de comunicação não sejam o veículo da
campanha pela austeridade sob coação e estejam, ao contrário, abertos para o
pluralismo do debate econômico em nossa democracia.
Maria da
Conceição Tavares (UFRJ) Luiz
Gonzaga Belluzzo (Unicamp e Facamp)
Ricardo
Bielschowsky
(UFRJ)
Marcio Pochmann (Unicamp)
Pedro
Paulo Zahluth Bastos (Unicamp) Rosa Maria Marques (PUC-SP)
Alfredo
Saad-Filho (SOAS - Universidade de
Londres) João Sicsú (UFRJ)
Maria de
Lourdes Mollo (UNB)
Vanessa Petrelli Corrêa
(UFU)
Carlos
Pinkusfeld Bastos
(UFRJ)
Alexandre de Freitas Barbosa (USP)
Lena
Lavinas
(UFRJ)
Luiz Fernando de Paula (UERJ)
Hildete
Pereira Melo
(UFF)
Niemeyer Almeida Filho (UFU)
Frederico
Gonzaga Jayme Jr. (UFMG) Jorge Mattoso (Unicamp)
Carlos
Frederico Leão Rocha (UFRJ) Rubens Sawaya
(PUC-SP)
Fernando
Mattos
(UFF)
Pedro Rossi (Unicamp)
Jennifer
Hermann
(UFRJ)
André Biancarelli (Unicamp)
Bruno De
Conti
(Unicamp)
Julia Braga (UFF)
Ricardo
Summa
(UFRJ)
Frederico Katz (UFPE)
Cristina
Fróes Borja Reis
(UFABC) Luiz
Carlos Delorme Prado (UFRJ)
Fernando
Sarti
(Unicamp)
Ramon Garcia Fernandez (UFABC)
Eduardo
Fagnani (Unicamp)
Fonte: JB On-Line.
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