domingo, 5 de maio de 2013

Michael Löwy defende o ecossocialismo como alternativa para o capitalismo

Filósofo adverte que o capitalismo, em sua etapa neoliberal, nos está levando com uma rapidez terrível a uma catástrofe ecológica sem precedentes na história da humanidade: o aquecimento global e a mudança climática.


Marta Meléndrez Parada/La Jornada


Por Arturo Jiménez e Emir Olivares

Vários governos e sociedades de países da América Latina, como a Venezuela e o Equador, porém, sobretudo, a Bolivia, começam a dar importância à problemática ecológica e ao chamado ecossocialismo, que se tornará uma das questões centrais para qualquer movimento antissistêmico no século XXI, diz na entrevista o sociólogo e filósofo franco-brasileiro Michael Löwy.

Adverte que o capitalismo, em sua etapa neoliberal, nos está levando com uma rapidez terrível a uma catástrofe ecológica sem precedentes na história da humanidade: o aquecimento global e a mudança climática. Enfrentar isso é enfrentar o capitalismo. Por isso, essa problemática permitiu o surgimento do ecossocialismo, já que um socialismo ecológico é a alternativa à destruição capitalista do meio ambiente.

Medalha ao Mérito da Universidad Veracruzana

Löwy (Brasil, 1938) recebeu, na segunda-feira (29/4), a Medalha ao Mérito da Universidad Veracruzana, em uma cerimônia na sede dessa casa de estudos, em Jalapa, México. A distinção será entregue a Carlos Prieto, Pablo Rudomín e Emilio Gidi. Nesse domingo (28), o filósofo franco-brasileiro apresentará sua obra Sociología y religión, aproximaciones intempestivas, editado pela Universidad Veracruzana, na Feira Internacional do Livro Universitário.

Investigador emérito e diretor do Centro Nacional de Investigações Científicas de París, Löwy se sente muito distinguido com o prêmio e diz que é uma ocasião para conhecer Veracruz. "O único que conheço desse Estado é o western Veracruz (1954, com Gary Cooper, Burt Lancaster, Denise Darcel e Sarita Montiel), de Robert Albricht, obra prima bastante radical que lhe rendeu perseguição durante o macarthismo”.

Cauteloso, no início, de falar sobre a situação no México, lança, em um primeiro momento: "Como dizia Lampedusa, em O Leopardo: ‘Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude’”. Depois, mais como uma esperança do que como uma análise do presente:

"Na história do século XX, o México esteve muitas vezes na vanguarda dos processos revolucionários na América Latina e no mundo, a Revolução Mexicana foi a primeira do século XX. O governo de Cárdenas foi o mais progressista da América Latina nos anos 30; o levante zapatista, nos anos 90, foi o primeiro sinal de uma onda de luta antineoliberal após a queda do Muro de Berlin, do suposto fim da história. Em muitos momentos da história do século XX, o México esteve na vanguarda. A nossa esperança, como latino-americanos e anticapitalistas é que isso continue a acontecer no futuro.

No México, há potencial de protesto; desejo de mudança; porém, até agora, a oligarquia conseguiu manter-se, utilizando um sistema de controle dos movimentos sociais há quase um século; é o mais aperfeiçoado.

Ele fala de maneira ampla da América Latina, onde se "conseguiu mudar um pouco as estruturas de poder; alguns governos identificados com o neoliberalismo caíram; não em todos os países, como o México e a Colômbia, às vezes por verdadeiras insurreições populares, como na Argentina e na Bolívia; e, outras vezes, pelos dirigentes. Sem indignação, não mudaremos nada. Essa é a primeira condição. Como diz meu amigo e companheiro recém falecido, Daniel Bensaïd: as pessoas se indignam, se levantam e começam a caminhar”.

– O que representam hoje e por que são uma constante os atuais movimentos sociais no mundo?

– Há um vetor comum do que vemos na Europa, no Oriente Médio, nos Estados Unidos ou na América Latina: a indignação, ou como dizem os zapatistas, a digna raiva. Há um sentimento muito poderoso nas pessoas, na juventude, nos trabalhadores, nos desempregados, nas mulheres e nos indígenas, de injustiça social, de opressão, de tirania não pessoal –mesmo que às vezes sim- das estruturas sociais, econômicas e políticas. E essa indignação é o início de tudo; depois podem vir demandas, reivindicações, programas, talvez até partidos políticos.

– Chama a atenção que esses processos de mudança na América Latina, sobretudo se levamos em consideração a época das ditaduras, se dão mediante eleições. Qual é a reflexão?

– Depois que as ditaduras caíram, de uma forma ou de outra, abriu-se um espaço democrático. E como dizia o próprio Che Guevara, onde existe um mínimo de democracia, não está proposta a luta armada; então, os instrumentos democráticos têm que ser utilizados. A esquerda em geral, com algumas exceções, como os casos colombiano e mexicano, que são um tanto especiais, optou pela via eleitoral, e com resultados positivos.

"Claro, essa via eleitoral foi precedida na maior parte dos países por verdadeiros levantes populares, como o ‘caracazo’ na Venezuela; em Buenos Aires, em 2001, onde a Casa Rosada foi cercada e o presidente teve que fugir em helicóptero; outro exemplo é a Bolívia. As eleições foram precedidas de verdadeiras semi insurreições populares. Algo parecido aconteceu em Oaxaca; porém, não exatamente o mesmo.

"As mudanças aconteceram pela via eleitoral, com governos de centro-esquerda na maioria dos países; formas que eu chamaria de ‘social liberalismo’, uma variante mais social, mais progressista das mesmas políticas neoliberais: Brasil, Uruguai, Chile, há uns anos.

"E o outro exemplo são os governos mais radicais, antioligárquicos, anti-imperialistas, propondo pelo menos como horizonte histórico o socialismo do século XXI: Venezuela, com a revolução bolivariana; a Bolívia, com o socialismo de Evo Morales; e o Equador, com Rafael Correa e a revolução cidadã. Estão muito longe do socialismo; porém, pelo menos propõem essa perspectiva. Têm seus próprios limites, contradições, problemas; porém, até agora são o mais avançado que existe na América Latina.

Agora, os movimentos sociais continuam tendo um papel muito importante em nossos países, às vezes enfrentando-se com o governo, pressionando-o, criticando-o; talvez, em certo momento, apoiando-o contra as ofensivas da direita. O importante é que os movimentos sociais continuam tendo autonomia. Caso se submetessem à política dos governos, mesmo dos governos de esquerda, isso seria muito negativo.

Para Löwy, o Equador, a Bolívia e a Venezuela constituem-se no mais avançado como experiência social, econômica e política. "De alguma forma, são um exemplo que permite às pessoas de esquerda criticar aos governos do Brasil, do Uruguai e da Argentina, dizendo-lhes: ‘Vejam, é possível utilizar a renda do petróleo para melhorar a condição dos pobres, expropriar as riquezas naturais, expulsar as bases militares yanquis etc.’. É um exemplo positivo, mas com suas limitações”.

Acerca do ecossocialismo, comenta: "Evo Morales tem jogado um papel positivo nisso. Foi o único mandatário que, na Conferência de Copenhague, em 2009, se solidarizou com o protesto dos movimentos sociais, em uma grande manifestação de 100 mil pessoas; eu estive lá, com a consigna ‘Mudemos o sistema, não o clima’. E Evo saiu dizendo: ‘Estou com vocês’. E depois, na Bolívia, foi convocada uma conferência internacional dos povos contra o capitalismo e a mudança climática, em defesa da Mãe Terra, com 30 mil delegados”.

Também menciona a Venezuela e o Equador e diz que, apesar de certas contradições, devido a uma realidade marcada por problemas de contaminação, já começam a situar-se nas propostas do ecossocialismo.

– Que risco implica para a Venezuela não contar com a figura de Hugo Chávez?

– Chávez era a grande força e a grande debilidade da revolução bolivariana. A grande força porque ele, com seu carisma, com sua radicalidade, foi o impulsionador de todo esse processo. E a debilidade porque tudo dependia dele; ele criou o partido; o sindicato foi uma decisão de cima para baixo; tudo impulsionado do gabinete de Chávez, e tudo baseado em seu carisma pessoal. Então, quando ele desapareceu, o movimento se debilitou; e isso é muito negativo, ao contrário de outros países onde há uma estrutura social e política autônoma e que pode ter sua expressão política. Por exemplo, o processo na Bolívia não depende tanto da pessoa de Evo, apesar de que ele também é uma figura carismática. O desafio da Venezuela é dar continuidade ao processo, para que este avance, porque as revoluções que não avançam, retrocedem; essa é uma lei da história.

Publicado por Adital, do original em espanhol, pelo Periódico La Jornada. Domingo 28 de abril de 2013, p. 36